São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 2001

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Falta de tradição e de verba atrasa pesquisa

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A arqueologia subaquática ainda é uma área pouco desenvolvida no Brasil. Raros foram os exemplos de restos de naufrágios devidamente estudados. Para os arqueólogos, simplesmente retirar objetos do fundo do mar sem contextualizá-los está mais próximo de um saque de piratas do que de um estudo científico.
O que os arqueólogos procuram é examinar um sítio arqueológico como quem descobriu uma "cápsula do tempo", com os objetos preservados como estavam -"deixando de existir em pleno movimento", nas palavras do arqueólogo Gilson Rambelli.
Para a arqueologia mais moderna, retirar os objetos pode não só ser desnecessário como até pode contribuir para destruí-los de vez.
O melhor exemplo de arqueologia subaquática no Brasil continua sendo a exploração do galeão Sacramento, feita nos anos 70 por mergulhadores da Marinha, sob coordenação do arqueólogo Ulysses Pernambucano de Mello Neto.
O Sacramento era um navio de 60 canhões naufragado na Bahia em 1668. Dos restos do seu naufrágio foram resgatados objetos variados, de astrolábios a canhões de ferro e de bronze.
O estudo do Sacramento permitiu ter uma boa idéia de como eram os navios que guardavam a costa brasileira no século 17. Mas, em parte pela dificuldade de acesso ao sítio, o trabalho não chegou a ser tão abrangente quanto outros estudos feitos no exterior.
Havia também a questão do conceito de arqueologia utilizado pela Marinha. Os objetos do Sacramento, muitos em exibição no Espaço Cultural da Marinha no Rio, serviram para "ilustrar a história", diz Rambelli.
Para ele e seus colegas, o sítio arqueológico é capaz ele próprio de dar informações novas, especialmente se os objetos forem descritos em seu devido contexto. Por exemplo, na época colonial não era permitido que mulheres embarcassem em navios de guerra. Achar um esqueleto de mulher no porão do navio pode indicar que algumas viajavam clandestinas.
Há poucos arqueólogos brasileiros especializados em escavações subaquáticas. Três deles ainda estão fazendo pós-graduação no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP: Rambelli, que fez especialização no Centro Nacional de Pesquisas Arqueológicas Subaquáticas da França, está terminando o doutorado. Paulo Fernando Bava de Camargo e Flávio Ricci Calippo cursam o mestrado.
Os três procuram fazer um mapeamento, sem retirar objetos, de sítios no litoral paulista. Nem sempre os locais estão vinculados a naufrágios. Bava, por exemplo, está localizando os restos de um forte que foi engolido pelas águas.
Ele e seu colega de mestrado participaram como estagiários das escavações da nau portuguesa Nossa Senhora dos Mártires, naufragada em 1606 junto à barra do Tejo, na entrada de Lisboa.
A nau vinha do Oriente carregada com pimenta. A bordo se achou porcelana chinesa característica do período 1573-1620 e um astrolábio datado de "1605".
O barco foi objeto de um minucioso estudo multidisciplinar. Detalhes, como o tipo de pratos e canecas, podem dar pistas valiosas de como era a vida a bordo.
Rambelli espera que algo parecido possa ocorrer no Brasil. Mas para isso seria preciso que as instituições de pesquisa tivessem recursos -algo que, hoje, só as firmas de resgate parecem ter.



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