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Falta de tradição e de verba atrasa pesquisa
RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A arqueologia subaquática ainda é uma área pouco desenvolvida no Brasil. Raros foram os
exemplos de restos de naufrágios
devidamente estudados. Para os
arqueólogos, simplesmente retirar objetos do fundo do mar sem
contextualizá-los está mais próximo de um saque de piratas do que
de um estudo científico.
O que os arqueólogos procuram
é examinar um sítio arqueológico
como quem descobriu uma "cápsula do tempo", com os objetos
preservados como estavam
-"deixando de existir em pleno
movimento", nas palavras do arqueólogo Gilson Rambelli.
Para a arqueologia mais moderna, retirar os objetos pode não só
ser desnecessário como até pode
contribuir para destruí-los de vez.
O melhor exemplo de arqueologia subaquática no Brasil continua sendo a exploração do galeão
Sacramento, feita nos anos 70 por
mergulhadores da Marinha, sob
coordenação do arqueólogo Ulysses Pernambucano de Mello Neto.
O Sacramento era um navio de
60 canhões naufragado na Bahia
em 1668. Dos restos do seu naufrágio foram resgatados objetos
variados, de astrolábios a canhões
de ferro e de bronze.
O estudo do Sacramento permitiu ter uma boa idéia de como
eram os navios que guardavam a
costa brasileira no século 17. Mas,
em parte pela dificuldade de acesso ao sítio, o trabalho não chegou
a ser tão abrangente quanto outros estudos feitos no exterior.
Havia também a questão do
conceito de arqueologia utilizado
pela Marinha. Os objetos do Sacramento, muitos em exibição no
Espaço Cultural da Marinha no
Rio, serviram para "ilustrar a história", diz Rambelli.
Para ele e seus colegas, o sítio arqueológico é capaz ele próprio de
dar informações novas, especialmente se os objetos forem descritos em seu devido contexto. Por
exemplo, na época colonial não
era permitido que mulheres embarcassem em navios de guerra.
Achar um esqueleto de mulher no
porão do navio pode indicar que
algumas viajavam clandestinas.
Há poucos arqueólogos brasileiros especializados em escavações subaquáticas. Três deles ainda estão fazendo pós-graduação
no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP: Rambelli, que fez especialização no Centro Nacional
de Pesquisas Arqueológicas Subaquáticas da França, está terminando o doutorado. Paulo Fernando Bava de Camargo e Flávio
Ricci Calippo cursam o mestrado.
Os três procuram fazer um mapeamento, sem retirar objetos, de
sítios no litoral paulista. Nem
sempre os locais estão vinculados
a naufrágios. Bava, por exemplo,
está localizando os restos de um
forte que foi engolido pelas águas.
Ele e seu colega de mestrado
participaram como estagiários
das escavações da nau portuguesa
Nossa Senhora dos Mártires, naufragada em 1606 junto à barra do
Tejo, na entrada de Lisboa.
A nau vinha do Oriente carregada com pimenta. A bordo se
achou porcelana chinesa característica do período 1573-1620 e um
astrolábio datado de "1605".
O barco foi objeto de um minucioso estudo multidisciplinar. Detalhes, como o tipo de pratos e canecas, podem dar pistas valiosas
de como era a vida a bordo.
Rambelli espera que algo parecido possa ocorrer no Brasil. Mas
para isso seria preciso que as instituições de pesquisa tivessem recursos -algo que, hoje, só as firmas de resgate parecem ter.
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