São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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"No Brasil todo mundo quer ser chefe"

Paranaense que trabalhou com Nobel diz que ensino de física no país destrói interesse dos alunos e que brasileiro não sabe trabalhar em equipe

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Fazer pesquisa no Brasil é difícil e frustrante, mas vale a pena. Essa é a opinião do físico Dante Mosca, que saiu do laboratório do francês Albert Fert, Prêmio Nobel de Física deste ano, para fazer pesquisas na Universidade Federal do Paraná. Em entrevista à Folha, ele conta porque resolveu voltar ao Brasil. (GG)

 

FOLHA - O senhor teve a oportunidade de estudar e pesquisar em um laboratório de ponta. Por que resolveu voltar? Vale a pena pesquisar no Brasil hoje?
DANTE MOSCA -
Inicialmente, eu precisava voltar após os dois anos de doutorado-sanduíche para defender a minha tese de doutorado na UFRGS. Apesar de ter tido diferentes oportunidades de ficar na França, optei por ficar no Brasil porque Curitiba apresentava boas perspectivas de desenvolvimento científico. De fato, trabalhar em pesquisa científica no Brasil é muito difícil e frustrante. As universidades vivem sucessivas crises salariais, não temos cultura de criação e transferência tecnológica entre universidade e empresa. Nossa indústria mantém a preferência pela compra de tecnologia no exterior a desenvolvê-la no próprio país. Para mim, vale a pena pesquisar no Brasil em meio a colegas de trabalho competentes e engajados e mantendo colaborações com outros centros de pesquisa nacionais e internacionais. Ações desse tipo permitem manter-me atualizado, enviar alunos para estágios no exterior, desenvolver pesquisa de ponta.

FOLHA - O senhor tem esperanças de que o Brasil uma hora deslanche como potência científica?
MOSCA -
Sim, mas o atraso é grande e a missão é ingrata. No Paraná, por exemplo, temos uma fundação de amparo à pesquisa que distribui poucos recursos em comparação com a Fapesp, em São Paulo. O Brasil chegou a investir bastante em bolsas de doutorado no país e no exterior, mas descuidou-se da fixação e do bom aproveitamento dos talentos decorrentes desse investimento. E ainda assim há dificuldade em obter bolsas de mestrado e doutorado para todos os bons alunos. A partir de minha experiência dentro da equipe de Albert Fert e instituições francesas, percebo algumas diferenças significativas. No Brasil a grande maioria quer ser chefe e não sabe ou não quer trabalhar em equipe, há poucos casos de transferência tecnológica e o ensino público vai muito mal.
Tirando raras exceções, o ensino de física no Brasil é lamentável, com uma ênfase exagerada em matemática que destrói o interesse dos jovens pelos fenômenos físicos e pela ciência em si.

FOLHA - Como o senhor recebeu a notícia do Nobel para Fert? Sentiu-se um pouquinho premiado também?
MOSCA -
Fiquei muito feliz por ele e pela sua equipe. Fiquei contente por ter participado de uma pequena parte dessa história e de ser lembrado por ele na entrevista coletiva após o anúncio da Fundação Nobel. Como em ciência é primordial o reconhecimento dos pares, sinto muito honrado pelo reconhecimento expressado pelo Albert. Acredito que o brasileiro que deva se sentir premiado com o Nobel é o Mario Baibich, pelo trabalho desenvolvido e co-autoria no artigo da descoberta da magnetorresistência gigante que levou à spintrônica.

FOLHA - Em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", Fert disse: "Sei que Dante Mosca tem ótimas idéias, mas sei também que ele precisará de muita sorte. Curitiba não é um grande centro para desenvolvimento da pesquisa." Como o senhor recebeu isso?
MOSCA -
Sei que o desafio de fazer pesquisa no Brasil é grande, mas também sou conhecido pela minha teimosia.


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