São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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Cérebro imigrado

Pesquisador que trocou Buenos Aires por Porto Alegre diz que país precisa concentrar recursos em grupos de excelência já estabelecidos

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Por mais problemas que os brasileiros enfrentem para fazer ciência, isso não impediu que o país tenha centros de excelência que se destaquem por fazer pesquisa de qualidade. USP e Unicamp costumam chamar mais a atenção, mas grupos no Rio, na Amazônia e no Sul do país não só têm feito a lição de casa como ainda atraem pesquisadores estrangeiros para cá.
É o caso do neurocientista argentino Martín Cammarota, 38, que há cinco anos trocou Buenos Aires por Porto Alegre, onde faz parte do laboratório de estudos da memória da PUC do Rio Grande do Sul. E ele nem pensa em voltar para a beira do rio da Prata.
O grupo gaúcho é coordenado pelo argentino-brasileiro Iván Izquierdo, autoridade mundial no estudo de fisiologia da memória. Izquierdo, a quem Cammarota chama de "pai científico", é um dos motivos pelos quais ele decidiu se mudar para o Brasil. O outro é que ele se casou com uma brasileira que conheceu na Universidade de Buenos Aires.
"Eu trabalho com o maior cientista do Brasil e duvido que alguma outra universidade na América Latina fosse melhor. Mas estou aqui também por razões familiares e culturais. Hoje me sinto brasileiro. Seria um estrangeiro na Argentina."
Sobre os problemas da ciência nacional, ele concorda que eles existem e que são complicados, às vezes, limitantes, mas diz acreditar na capacidade do país. "É claro que poderia ser melhor, mas não tenho dúvida de que o Brasil será um potência científica. Seu tamanho continental o obriga a ser uma potência científica. Agora, o tempo que vai levar para isso ocorrer depende de quanto os políticos vão roubar."
Um dos pontos positivos no Brasil para Cammarota, na comparação com a Argentina, é o sistema de bolsas de doutorado. "Na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires são concedidas três bolsas para 20 mil alunos. Eles têm mais estudantes que a Federal do Rio Grande do Sul inteira. Mas aqui, só para o departamento de bioquímica e genética, que tem 500 alunos, há 30 bolsas por ano. Então nesse sentido, a vantagem é enorme."
Apesar disso, ele defende que talvez seja o momento de passar a redirecionar esse investimento. "A política de distribuição de recursos não pode parar, mas acho que hoje, ao menos aqui no Sul, alcançamos uma massa crítica suficiente. É hora de fortalecer os grupos de excelência já consolidados. Criar políticas de premiação para a qualidade da produção. Repartir é fácil, selecionar é antipático, eu sei, mas faz parte do processo de evolução", afirma.
Então vale a pena ficar aqui? "Sim, por fazer parte de algo que está sendo construído."


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