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Nina Horta

Eu me rendo ao Atala

Sinto até uma certa emoção piegas ao me lembrar dele mocinho, mexendo as panelas

SAÍMOS PARA celebrar o aniversário de um neto que sabe comer muito bem, mas tem horror de comida de grife, de comida de autor. Só que, dessa vez, ele foi arrastado com namorada e tudo para o Atala.

Vocês não podem imaginar como sou difícil de ser enganada por comidinhas modernas. Vou com uma sacola de preconceitos, com esgares de ironia, com implicâncias à flor da pele encontrar a pretensão.

Mas, felizmente, tenho orgulho e me rendo ao Atala. Sinto até uma certa emoção piegas ao me lembrar dele mocinho mexendo com as panelas. Simpático, bonitão, bom marqueteiro, viajante de olhos abertos.

Junto a isso, muito trabalho e uma dedicação enorme, perseverança, desprendimento, saúde de ferro e capacidade de passar adiante o que aprendeu. Generosidade com os outros chefs, esse um segredo maior, que revela maturidade e sabedoria.

Quem se tranca com suas próprias receitas, com seu aprendizado, com a última novidade, simplesmente se tranca. Um dia se vê antiquado, dentro de sua própria cela.

Durante esse jantar, eu não perguntei a ele, mas, como estamos na época do cinema mudo, ficamos vendo a cozinha, tentando adivinhar quem eram as pessoas sem uniforme, num canto, que de vez em quando eram abordadas pelo Atala, que lhes enfiava uma colher na boca.

No fim da noite, restaurante vazio, se sentaram a uma mesa com pratos diferentes e cada um enfiava o garfo no prato do outro, comendo, sérios. Eram chefs de restaurantes provando, e aprendendo, e alargando horizontes, e mastigando, e podendo inventar através daquela experiência, filtrá-la e reinventá-la segundo seus próprios estilos de vida, trajetória e terreiro.

Uma vez fui jantar no Atala com uma festeira, isto é, dona de bufê. Os pratos começaram a chegar e ela só suspirava. "Ah, se pudesse usar esses ingredientes simples na cozinha, ficaria rica. Em vez de caviar, tapioca..." Mas essa coisa é só pra quem pode, dona banqueteira.

No dia em que você conseguir que a sardinha frita seja tão boa quanto a barriga de atum, então, sim, terá alcançado o céu de todo festeiro.

É para quem pode usar purê de inhame ou de cará ou de batata mesmo. Já tentou oferecer isso a um cliente ao telefone? Sardinha frita com purê de inhame e umas gotinhas de priprioca? O cliente se ofende. "Eu te telefonei porque quero uma coisa muito elaborada!"

Pois o Atala levou anos elaborando e tomando coragem para escrever no menu: "olho de cão tostado, frito e cru com molho de limão e fígado". "Olho de cão" é o nome de um peixe, peixinho. Que vinha com o rabo bem frito, do tipo que você mastiga como pipoca. Sobre o rabo, a carne do peixe marinada, crua. Ao lado, a barriga do bicho, frita sem exageros, daquele jeito caseiro.

E quem ousa oferecer "lombo de javali com farofa e sorbet de panã"? Eu não sabia o que era panã (araticum), mas nunca vi um sorbet combinar tanto com o lombo, hum...

Eu me perco nos detalhes das comidinhas do Atala. É tudo muito, muito, muito bom.

Entrem no blog e verão o que ele, como empresário, está aprontando para fazer chegar a nós os produtos brasileiros.

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