São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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Tenente comandou sessão contra suspeito, que teve dedo amputado, e foi expulso da corporação; ele recorreu

PM exemplar é 1º oficial preso por abuso

DA REPORTAGEM LOCAL

"Soube dignificar e honrar o uniforme que veste, enaltecendo o nome da corporação e sendo alvo de admiração de seus superiores e exemplo a ser seguido por seus pares e subordinados", diz apenas um dos 32 elogios no currículo do oficial da Polícia Militar.
São parabenizações por prisões de ladrões e traficantes, trabalho extra em horários de folga, dedicação em eventos da PM e até participação em campanhas de doação de sangue.
Um perfil que, em 1998, fez do 2º tenente Paulo Sérgio dos Santos, então com 31 anos, recém-saído do curso de formação, onde teve aulas de direitos humanos, um policial promissor.
Quatro anos depois, porém, ele entrou para a história da corporação de uma forma nada gloriosa. Ele foi o primeiro oficial da PM a ser condenado pelo crime de tortura. A pena de nove anos e oito meses de prisão foi decretada pela 19ª Vara Criminal de São Paulo. Santos foi expulso da PM.
Para o promotor de Justiça Alfonso Presti, que denunciou Santos, a história do oficial exemplar que comandou uma sessão de tortura mostra algumas particularidades desse tipo de crime. "Ele tinha formação, mas sucumbiu em um momento emocional. Mas nada justifica o fato de torturar uma pessoa", disse.
Para o ouvidor da Polícia de São Paulo, Itajiba Farias Ferreira Cravo, o caso mostra a vigência de uma forma antiga de atuação. "O policial tem de ter força de vontade para não seguir o espírito que gosta de dizer: aqui na rua, tudo é diferente", afirmou.
O cenário da sessão de tortura foi a própria base comunitária da PM, no Jardim Ranieri (zona sul de São Paulo), segundo sentença do Marcelo Martins Berthe, que condenou, em 2002, Santos e o soldado da PM Carlos Alberto Iris de Jesus pelo crime. Dois outros PMs foram absolvidos.
Santos comandava o patrulhamento no dia 10 de janeiro de 2000, quando o rádio da PM comunicou a prisão de dois jovens armados, que poderiam estar envolvidos na morte de um PM ocorrida dias antes. Marcelo Luciano Kara foi assassinado em um assalto quando fazia bico num empresa da região.
A suspeita contra os jovens surgiu, segundo declarou Santos em depoimento, pelo fato de os dois terem sido detidos próximo ao local onde Kara fora assassinado.
Em vez do distrito policial, os dois jovens foram levados para o prédio da base comunitária da PM. Por horas, foram submetidos a agressões, sessões de asfixiamento com uso de sacos plásticos e choques elétricos, segundo argumentação do Ministério Público aceita pela Justiça.
Marcelo Costa Pereira, então com 19 anos, teve um dedo amputado em decorrência das queimaduras provocadas pelos choques. Segundo ele disse em depoimento, os PMs queriam que ele confessasse. Depois, que informasse o paradeiro de outros jovens. Um deles foi morto pelos PMs em uma suposta resistência à prisão.
Pereira só foi indiciado por porte ilegal de arma. Até hoje não são conhecidos os reais assassinos do PM. O inquérito que apurava sua morte foi arquivado em 2001. A morte do jovem na suposta resistência está sendo investigada.
"A tortura é assim. Além do tratamento desumano, é um método investigativo ineficaz, que não traz a verdade. O policial não tem bola de cristal para saber quem é o real culpado", disse o promotor.
A defesa de Santos recorreu da sentença e o caso foi enviado para o Tribunal de Justiça. Pedidos de habeas corpus para suspender a prisão do ex-tenente foram negados pela Justiça.
No processo, os advogados afirmam que houve "armação dos meliantes" e que não há provas de que houve tortura. Os ferimentos dos jovens poderiam ter ocorrido nos dias em que ficaram no distrito policial em acerto de contas entre presos, segundo a defesa.
(GILMAR PENTEADO)


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