|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Em épocas distintas, mãe e filha fizeram denúncia
DA REPORTAGEM LOCAL
Lado a lado, mãe e filha falam
ao mesmo tempo. Juntam detalhes de duas histórias. E falam
com a mesma revolta: filhos de
ambas foram vítimas de violência
policial. Um morreu e o outro, oito anos depois, foi torturado, recebeu choques elétricos e perdeu
um dos dedos da mão.
Em épocas diferentes, elas superaram o medo e saíram à rua para
denunciar. O tempo passou, o resultado da denúncia agrada mais
a uma do que a outra, mas as lembranças provocam as mesmas
reações de revolta em mãe e filha.
Geralda Conceição Costa, 72, é
mãe de um dos 111 presos mortos
no episódio conhecido como
massacre do Carandiru. Seu filho
já deveria estar solto quando a Polícia Militar invadiu a Casa de Detenção, em 1992, para conter uma
rebelião dos presos.
Apesar da idade, ela participou
de mobilizações para pedir a punição dos culpados -só o coronel Ubiratan Guimarães, que comandou a operação e hoje é deputado estadual pelo PTB, foi
condenado, mas recorre da decisão em liberdade.
Maria do Carmo Pereira, 49,
saiu à rua para denunciar a tortura sofrida por seu filho Marcelo
Costa Pereira, então com 19 anos,
em um posto comunitário da Polícia Militar no Jardim Ranieri
(zona sul de São Paulo). Em plena
tarde do dia 10 de janeiro de 2000,
seu filho levou socos e pontapés,
teve um saco plástico enfiado na
cabeça para provocar asfixia e sofreu choques elétricos.
Os PMs queriam que ele confessasse a morte de um colega, ocorrida dias antes. Ele era inocente.
Na sessão de tortura, os fios elétricos foram ligados aos seus
anéis. Preso e sem socorro adequado, o filho de Maria do Carmo
teve um dedo amputado.
"Sei que muitas pessoas dão razão [à tortura]. Mas é porque isso
não ocorre na família deles. Eles
não sabem o que estão falando",
afirmou Maria do Carmo, ao ser
informada sobre o resultado da
pesquisa Datafolha.
Sentadas lado a lado no sofá, em
uma casa simples localizada em
um das regiões mais violentas da
capital paulista, Geralda e Maria
do Carmo discordam apenas do
resultado das suas denúncias.
Geralda é mais pessimista. "O
que adiantou? Ninguém está preso", questionou, referindo-se ao
massacre do Carandiru. A revolta
aumenta ainda mais quando ela
fala da ação de indenização contra
o Estado, que ainda não teve decisão 11 anos depois das mortes.
Questionada se já conseguiu superar o episódio, Geralda diz que
guarda até hoje o telegrama que
trouxe a notícia da morte do filho.
Maria do Carmo também guarda todos os documentos sobre a
situação judicial do filho. Depois
de 41 dias preso, apesar de inocente, ele voltou para a cadeia meses depois, agora pelo roubo de
um carro. "Como se reabilitar
com a revolta que ele sentia cada
vez que olhava para a mão? Espero que um dia ele consiga controlar essa revolta", disse a mãe.
Com a nova prisão, ela disse que
ficou sabendo como os PMs da região passaram a apelidar seu filho.
"Eles falaram: prendemos o "19
dedos", prendemos o "19 dedos."
Maria do Carmo denunciou o
caso à imprensa, depôs na polícia.
"Quando a tortura aconteceu,
veio à minha cabeça o que aconteceu com meu irmão. Não podia ficar calada", afirma. Hoje, diz ter
orgulho do que fez. Dois PMs foram condenados em primeira
instância e o tratamento dado pelos policiais militares aos moradores de seu bairro, segundo ela,
melhorou.
"Se hoje os policiais parecem
mais educados, é porque alguém
denunciou. Se a gente se calar, vai
ser muito pior", disse Maria do
Carmo.
(GP)
Texto Anterior: PM exemplar é 1º oficial preso por abuso Próximo Texto: Abuso policial é exceção, afirma delegada Índice
|