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Problema acontece em 5% dos pacientes; alcoolismo, bulimia e compulsão por compras são comuns após cirurgia
Depressão é "lado B" de redução de estômago
DÉBORA YURI
DA REVISTA
Com um prontuário de 1,70 m
de altura, 180 kg, pressão alta, dificuldades respiratórias, desmaios
repentinos, "quase explodindo" e
infeliz, a microempresária Rosana Lasman, 39, submeteu-se à cirurgia de redução do estômago.
Um ano e duas plásticas para eliminar as "pelancas" depois, prestes a usar seu primeiro biquíni, ela
se viu com o peso desejado, 70 kg.
E entrou em depressão.
O drama da microempresária
representa o "lado B" do pós-operatório das cirurgias de redução
do estômago, cada vez mais usadas no combate à obesidade mórbida, quando o excesso de gordura impede uma vida normal e pode acarretar problemas de saúde.
A maioria dos operados tem sucesso no objetivo principal -o de
perder peso. Mas, segundo Carlos
Haruo Arasaki, 40, coordenador
das cirurgias de aparelho digestivo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), cerca de 5%
dos pacientes manifesta algum
grau de depressão após a cirurgia.
"Ela pode acarretar bulimia ou
anorexia, compulsão por compras, doces ou sexo, alcoolismo,
dependência de drogas, depressão e, no limite, tentativas de suicídio", afirma Dan Waitzberg, 52,
professor de gastroenterologia e
cirurgia digestiva da Faculdade de
Medicina da USP.
Além de deprimida, Rosana teve bulimia. Subia na balança de
cinco em cinco minutos. "Com
medo de engordar de novo,
aprendi a vomitar, foi uma beleza.
Quando emagreci, substituí o que
gastava em comida por roupas,
sapatos, cremes, perfumes."
Isso acontece porque, segundo
Waitzberg, o obeso mórbido
substitui a falta de afeto e a ansiedade pela comida. "Ele [obeso
mórbido] tem fixação pelo ato de
comer. Quando é operado, fica
privado do seu grande prazer."
Não conseguir perder os quilos
propostos, o que ocorre em cerca
de 10% dos operados, também
contribui para a depressão.
Encantada com as novas formas
de uma vizinha que tinha sido
operada, a dona-de-casa Aparecida Meira Alves da Silva, 34, chegou a engordar para poder fazer a
cirurgia. "Eu estava com 102 kg e
precisava chegar aos 107 kg", diz.
Já com 57 kg (tem 1,68 m), ela
entrou em depressão e tentou o
suicídio duas vezes. Hoje, toma
antidepressivos.
Psicólogo de plantão
Além disso, para quem comia
"uma tonelada", passar a fazer refeições de 150 g não é fácil. "Os pacientes que estiverem preparados
para comer menos serão mais capazes de tolerar as mudanças",
diz Waitzberg.
No Brasil, onde 30% da população está acima do peso ideal e de
12% a 15% sofrem de obesidade
mórbida, estima-se que o número
de operações tenha mais que triplicado nos últimos cinco anos.
Segundo Marlene Monteiro da
Silva, 50, psicóloga responsável
pelo Grupo de Cirurgia da Obesidade Mórbida do Hospital das
Clínicas de São Paulo, o período
mais crítico é de um a dois anos
após a operação. "Nessa fase, sentem que precisam enfrentar a vida
e que não é porque emagreceram
que vão arrumar um namorado
ou um emprego melhor."
Marlene instituiu as reuniões
entre obesos operados e os que
desejam operar. "É um jeito de os
primeiros relatarem aos outros
como fica a vida depois da cirurgia", diz a psicóloga.
"O obeso sente a carga de ser
visto como alguém diferente, de
não poder fazer certas coisas, de
ter dificuldades no namoro", observa Arthur Garrido Jr., 63, professor da Faculdade de Medicina
da USP e cirurgião do hospital Albert Einstein.
Para ele, o obeso pode usar sua
condição de gordo como desculpa. "Sem ela, a pessoa é obrigada a
enfrentar dificuldades que antes
não existiam, como o desafio da
sexualidade, do trabalho, da competição. Nesses casos, é impossível aceitar bem a cirurgia."
Ana Ruth Marcondes Martins,
30, dona de lanchonete em Guaratinguetá (SP), que amarrou o
estômago há dois anos e meio,
sente mais falta de carne, que agora só pode comer moída, e de arroz -não suporta mais do que
uma garfada.
Festas e churrascos
"Eu fico estressada, quero comer, aí começo a pirar. Às vezes,
eu preferia não ter feito a cirurgia.
Principalmente em festas e churrascos: é uma tristeza. No máximo eu posso experimentar um
naco de alguma coisa", diz Ana,
que pesava 109 kg e hoje tem 55 kg
e toma antidepressivos.
Ela conta que sente falta de
acordar no meio da madrugada
para assaltar a geladeira -religiosamente, fazia um prato cheio
de arroz, feijão e bife, junto com
refrigerante. "Não recomendo a
cirurgia para quem gosta de comer bem", afirma. Seu marido,
Benedito, 29, 109 kg, diz que a
mulher "sofreu muito", e rechaça
passar pela cirurgia.
"Imagina não poder mais comer uma picanha e tomar uma
dúzia de cervejas toda noite? Eu
morro. Como eu ia viver sem a
minha churrasqueira?"
Leia a íntegra da reportagem no site
www.uol.com.br/revista
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