São Paulo, domingo, 1 de fevereiro de 1998

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Quais os prós e os contras do fundão?

Mares Guia - Para mim, só a concretização do fundão já transforma o Paulo Renato (Souza), pelo menos na história dos últimos 40 anos, no melhor ministro da Educação que este país já teve. O MEC interveio onde o governo federal poderia intervir: na distribuição dos recursos.
Obviamente, o fundão pode ser melhorado, porque se deixou de lado os recursos municipais de ISS e IPTU. E nas grandes cidades, nas capitais, mais da metade do orçamento é IPTU e ISS, ou seja, o fundão nas grandes cidades é 5%, 6%, 7% e não 15% da receita fiscal.
Precisamos lutar para que os 15% atinjam todas as receitas fiscais estaduais e municipais e as transferências federais.
Eu queria dar um exemplo de Minas, que é o segundo maior Estado do Brasil e tem quase 5 milhões de alunos matriculados nas escolas públicas.
Tínhamos, em 1991, 300 mil alunos matriculados no 2º grau todo, 100 mil da rede privada, 200 mil da rede pública. Neste ano, vamos matricular 800 mil alunos no 2º grau: 110 mil da rede privada e 690 mil da rede pública. Estamos quase triplicando o número de alunos.
Esses alunos são os que estavam retidos pela repetência. À medida que a pirâmide vai se transformando num cilindro, vai se precisar de muito dinheiro para o 2º grau.
Então, esses recursos do fundão também vão auxiliar a ter algum equilíbrio ou melhorar, pelo menos, o desequilíbrio para o financiamento do 2º grau.
Abicalil -O fundão foi pensado originalmente em 94 por ocasião do Fórum Permanente de Valorização do Magistério, ainda prévio ao Plano Decenal de Educação para Todos. Ele envolvia todos os recursos vinculados.
Mas em função do debate sobre se era constitucional ou não subvincular recursos de outras esferas de governo é que houve essas escapulidas do ISS, do IPTU etc., que são graves, mas estão em via de superação, se funcionarem os conselhos gestores (formados com representação da sociedade e do governo para acompanhar o fundo).
Se esses conselhos funcionarem não há como não aplicar o IPTU, o ISS, os 15% no ensino fundamental. Porque, de fato, a lei os deixa de fora da distribuição do fundo, mas não da aplicação obrigatória.
Queria falar também de alguns aspectos importantes que precedem ao fundão. Primeiro, é um certo conceito de que já se aplica suficientemente em educação.
É bom saber que do PIB brasileiro cerca de 30% apenas é apropriado pelo poder público. Comparativamente com outras nações, não é muito. Portanto, há um espaço de recurso público para a educação que o fundo não ocupou.
O segundo aspecto que me deixa preocupado é que, segundo a mensagem orçamentária do Poder Executivo da União, o fundo arrecadaria cerca de R$ 13,3 bilhões, o que significaria a definição de uma média nacional de R$ 409 por aluno. Se a lei fosse aplicada, o mínimo de suplementação tinha que ser a média de R$ 409. Na primeira oportunidade, o governo federal, por meio de um decreto presidencial, fixou o valor de R$ 315. Quer dizer, a lei já começa a ter uma subtração de recurso, a partir de uma conta que nós não entendemos muito bem como é feita.
Acho que devemos refletir muito seriamente o que significa aplicar 9% da receita de Estados e municípios em salários. Isso é suficiente ou não para qualificar a Educação?
Outro aspecto que nos preocupa muito do ponto de vista de gerenciamento é uma brecha que a lei abriu: permite que recursos desses 9% sejam utilizados para financiar projetos de qualificação, sem fixar quanto. Então, não serão 9% transferidos só em salários.
Durham - Há muita incompreensão a respeito do fundão. Há também uma proposta de excessivo engessamento dos recursos da educação, que já tem os 25% (da arrecadação fiscal de Estados e municípios destinados à área).
Houve uma subvinculação que cobriu parte dos recursos (60% dos 25%; ou 15% da arrecadação fiscal). Cobriu os recursos que são transferidos de uma instância para outra (como o ICMS) e não cobriu os recursos próprios (IPTU).
É uma medida extraordinariamente importante porque, em primeiro lugar, a situação de município a município varia muito.
Há uma quantidade enorme de municípios que não faz nenhum esforço para obter receita própria. É necessário que se dê alguma margem à diversidade.
Agora, o fundo se dirige ao ensino obrigatório. Acho sem fundamento as acusações de que ele deixa a descoberto o resto. Vejam as estatísticas: são cerca de 33 milhões de alunos no 1º grau; aumentou para 6 milhões no 2º grau, e há um número semelhante na pré-escola. Então, para os demais níveis de ensino, que não só cobrem um número de anos menor como também menos crianças, ficaram 10%.
A lei é clara: esses 10% (de outros níveis de ensino) o município deve aplicar primariamente ou prioritariamente na educação infantil. Ele não pode aplicar em outros níveis, a não ser que esteja satisfeita (a demanda por pré-escola).
O mesmo acontece com o Estado. Como a obrigação do ensino médio ficou com o Estado, na verdade, você liberou os 10%. É uma margem grande, inclusive, para a educação de jovens e adultos.
Há enormes perigos na aplicação do fundão. Não há lei que seja à prova de falsificação. Se o fundo vai resolver ou não vai, depende muito de outros fatores, econômicos, culturais, de outra natureza.
Observou-se anteriormente se o que se aplica em educação no Brasil é suficiente ou não. Não vamos poder saber antes de nos assegurarmos de que o que é vinculado está sendo aplicado.
Malta Campos - Essa medida do fundo, de forma geral, é vista de maneira muito positiva. O que tem que ser discutido são alguns dos pressupostos que estão por trás da idéia do fundão.
A primeira coisa é que, teoricamente -e é importante o teoricamente- o fundo não garante mais recursos do que já existe. A vinculação existente continua a mesma. O que existe é uma subvinculação, que apenas permite uma redistribuição de acordo com critérios baseados no número de matrículas.
Concordo que ele garante de uma forma mais efetiva que os recursos vinculados cheguem até a educação. A gente sabe que eles não chegam. No município de São Paulo, recentemente, a Câmara aprovou um adiamento dessa vinculação até o ano 2000. É como se as crianças de 7 anos ficassem com 7 anos até lá esperando a vaga.
A segunda coisa é que existe um consenso por parte daqueles que estão fazendo a análise do fundo de que a União contribui muito pouco. A União está contribuindo, segundo os dados mais recentes com 2,6% do fundo e depende desse patamar muito baixo de R$ 315, que já deveria ter sido aumentado.
Além disso, o que os 10% que sobram dos 15% vão ter que cobrir? A educação infantil e também a educação de jovens e adultos que hoje está sendo assumida principalmente pelos municípios.
Sabemos que em alguns municípios, principalmente em São Paulo, está havendo uma redução dos recursos disponíveis para esse tipo de atendimento. É preciso estudar bem esse período de implantação do fundo para que isso seja compensado de alguma forma.



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