São Paulo, quarta, 1 de julho de 1998

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SAÚDE
Diretor-presidente do laboratório admite demora na comunicação e diz que vai indenizar vítimas comprovadas
Pílulas desviadas são poucas, diz Schering

CARLA CONTE
LUCIA MARTINS
da Reportagem Local

O laboratório Schering do Brasil afirmou ontem que pretende procurar as possíveis vítimas do Microvlar e pagar indenização para as mulheres que ficaram grávidas enquanto tomavam a pílula. "Vamos tomar a iniciativa e entrar em contato com elas ou com o representante delas para discutir uma forma de como podemos ajudar", afirma Rainer Bitzer, diretor-presidente da Schering. Na primeira entrevista do diretor-presidente da empresa desde o início do caso das pílulas de farinha, concedida ontem à Folha, Bitzer manteve a versão que já vinha sido divulgada pela empresa. O diretor-presidente reafirmou que os lotes falsos que chegaram às farmácias foram roubados da empresa após teste de uma máquina de embalagem mais rápida, feito com pílulas de placebo (substância inócua). Bitzer afirma que não sabe como o roubo ocorreu, mas que os testes foram feitos seguindo todas as normas de segurança e com a participação de, pelo menos, dez pessoas -três deles técnicos alemães enviados pela matriz. Os testes, realizados entre janeiro e abril, produziram cerca de 650 mil cartelas de Microvlar de placebo, que eram, segundo ele, guardadas separadamente e depois recolhidas por caminhões de lixo para serem incinerados. A única hipótese levantada pela direção da empresa é a de que uma pessoa -provavelmente um funcionário- tenha agido de má-fé e sabotado a empresa. Bitzer diz que não está preocupado com os prejuízos financeiros causados pelo escândalo -que ele não divulga-, mas só com "as consumidoras do Microvlar". A empresa diz que conseguiu uma liminar anteontem para voltar a funcionar, mas optou por manter as atividades suspensas até o fim da vistoria de técnicos da Vigilância Sanitária, que deve acabar na próxima quinta-feira. Bitzer afirma que as pílulas de teste foram encontradas em área geográfica reduzida e em pequena quantidade. A empresa está recolhendo todas as cartelas que ainda estão no mercado para saber quantas pílulas de placebo realmente foram distribuídas.

Folha - Como o senhor explica o roubo do material? Rainer Bitzer - Não sabemos. Vamos deixar essa parte da investigação para a polícia. Nossos controles internos estão em ordem. Folha - Existe algum funcionário suspeito? Bitzer - Tomamos todos os cuidados internos para que tudo fosse destruído. Fechar essas unidades em lugar separado para não entrar em contato com outros produtos, contratar uma transportadora para levar para ser incinerado. Eles eram colocados em caixas com a inscrição "placebo". E essas cartelas eram colocadas em sacos plásticos lacrados e levados pelos caminhões da Vega Sopave para a Ciba, que iria queimar. Existia um laudo de quantos quilos saíam daqui e quantos chegavam lá. E tudo está certo. Folha - Quantas pessoas acompanhavam esse processo?
Bitzer -
Da Alemanha, foram três. Da nossa empresa, umas sete pessoas.
Folha - O senhor acredita que o roubo tenha acontecido dentro da empresa, por algum funcionário?
Bitzer -
Existe essa possibilidade.
Folha - Como dá para saber onde houve o suposto roubo?
Bitzer -
Temos que detectar o problema pela diferença de peso, do que saiu para o que chegou lá. Esse peso tem apenas pequenas diferenças. As notas batem.
Folha - Pode ter sido furtado lá (no incinerador)?
Bitzer -
Não sabemos. Por isso, chamamos a polícia. Acreditamos que uma pessoa tenha agido de má-fé e pode até ter sido um funcionário nosso.
Folha - O senhor acredita que há pílulas de farinha espalhados pelo Brasil?
Bitzer -
Acredito que há poucas cartelas do lote do teste no mercado e concentradas em uma pequena região, em São Paulo.
Folha - O primeiro indício de que havia algo errado foi a carta anônima. Daí até a comunicação à Vigilância passou quase um mês. Por que demoraram?
Bitzer -
Quando recebemos a carta, fomos a duas farmácias e elas tinham pílulas originais. Era muito difícil fazer uma ação em cima de uma carta anônima.
Folha - Qual é o prejuízo até agora da Schering?
Bitzer -
Não estamos tão preocupados com o prejuízo da companhia do ponto de vista financeiro. Nos preocupamos só com as consumidoras do Microvlar, porque elas usam a pílula por muitos anos e são muitas.
Folha - Vocês pretendem indenizar?
Bitzer -
Vamos entrar em contato com as vítimas e ver caso a caso. Vamos assumir a responsabilidade.
Folha - Quem tiver a cartela pode reclamar indenização?
Bitzer -
A cartela adulterada é a grande prova de que a mulher foi vítima. Outros indícios também serão levados em conta.
Folha - Seria possível realizar um teste com pílulas coloridas?
Bitzer -
Com essa máquina, se o teste é feito com outro material, de outra cor, não dá para testar a máquina de verdade. O equipamento usa células óticas que registram cor e tamanho, por exemplo.
Folha - Então tem que usar placebo branco?
Bitzer -
Para saber se funciona com a pílula de verdade, tem que testar com a mesma cor, material mais próximo do original. Se usássemos outra cor, o teste não teria validade. Esses testes já foram feitos no mundo todo. Nunca houve problema
Folha - Era possível colocar em uma embalagem totalmente diferente, para alertar que aquilo era para teste?
Bitzer -
Esse material de teste não tem data de validade, de fabricação, número de lote correto. Isso já era suficiente para mostrar que não era lote oficial.
A empresa pensa em parar de produzir o Microvlar?
Bitzer -
Quando pudermos recolocar a pílula no mercado, temos certeza que o médico vai prescrever normalmente e as mulheres vão tomar. Estudamos mudar totalmente a embalagem atual.



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