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São Paulo, sábado, 01 de novembro de 2003

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Segundo João Carlos da Rocha Mattos, um dos investigados, conduta da polícia não tem amparo legal

Para juiz, diretor da PF é "irresponsável"

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O juiz federal João Carlos da Rocha Mattos afirma que o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, foi "irresponsável" e "omisso", ao permitir que juízes federais fossem seguidos, fotografados e investigados sem autorização do Tribunal Regional Federal. Sobre as gravações com trechos de conversas suas, diz que "não há nada que possa ser interpretado como indício de crime".
Ele concedeu entrevista, ontem à tarde, em seu gabinete.
 

Folha - Qual é a sua avaliação da Operação Anaconda?
João Carlos da Rocha Mattos -
Tive acesso a cópias de cinco procedimentos. Não existiria, no sentido técnico, até o momento, denúncia formal contra qualquer das pessoas, ação penal. Os simples procedimentos só foram remetidos para o Tribunal Regional Federal nos dias 20 e 21 de outubro, e, há poucos dias, desmembrados em cinco procedimentos.

Folha - O que isso significa?
Rocha Mattos -
Que [as investigações] estavam, na verdade, sendo conduzidas de forma absolutamente ilegal pelo Serviço de Inteligência da Polícia Federal. Há trechos de conversas, uma delas com o César Herman [agente da PF César Herman Rodriguez], é meu amigo pessoal, há mais de 10 anos.

Folha - Qual é o trecho da conversa que seria mais comprometedor?
Rocha Mattos -
Eu pergunto se ele pode me emprestar um dinheiro. Eu disse que declararia ao Imposto de Renda. Eu não sei se ele declarou, deve ter declarado.

Folha - E o diálogo com o delegado Augusto Bellini, quando o sr. teria perguntando se o "Serginho" [empresário Sérgio Chiamarelli Júnior] tinha "gostado da sentença"?
Rocha Mattos -
Deve ter havido, sim. O dr. Bellini é meu colega de academia e amigo do Sérgio há mais de 20 anos. Um dia ele me falou: "Sérgio tem processo com você, mas não tem culpa". Isso é comum falar. Quando dei a sentença absolutória, falei para ele: "Olha, aquele seu amigo lá, eu absolvi, junto com outros". Aí ele diz: "Ah, o Serginho já está sabendo, o advogado falou para ele".

Folha - E sobre o episódio em que se alega empréstimo de armas apreendidas para o César?
Rocha Mattos -
Pode ter havido sim... Eu acho que houve, sim.

Folha - Isso é peculato [apropriação de bem público]?
Rocha Mattos -
Não. Em épocas de muitas brigas, minha e da Norma (ex-mulher), consta que a Norma pediu para o César ir em casa e retirar armas que estavam lá. Era uma arma que eu tinha formalmente, com carga [registro oficial], e essa arma foi retirada.

Folha - O sr. alguma vez recebeu benefício por sentença proferida?
Rocha Mattos -
Nego formalmente. Aliás, houve comentário sobre um aparelho de televisão...

Folha - Onde o sr. comprou?
Rocha Mattos -
Comprei de uma pessoa, numa loja. Mandei providenciar a segunda via da nota.

Folha - O sr. teve algum outro bem apreendido?
Rocha Mattos -
Não. Eu não opero computador. Levaram o computador escolar do meu filho.

Folha - O que mais o incomodou?
Rocha Mattos -
Estou revoltadíssimo. Porque se grampeia, se interpreta sem coisas concretas, e depois se pede busca e apreensão para tentar obter a prova...

Folha - O sr. teria serenidade para continuar julgando?
Rocha Mattos -
Não sei que decisão vou tomar. Não vou despachar nada. Estou ainda digerindo. Hoje, não assinei nenhum ofício.

Folha - Mas qual é a sua avaliação geral sobre a operação?
Rocha Mattos -
O dr. Paulo Lacerda [diretor da PF] está conduzindo a Polícia Federal de maneira incompetente, de maneira omissa, de maneira irresponsável. Porque o Serviço de Inteligência é diretamente subordinado a ele. E ele sabia que havia uma operação, ele sabia que juízes federais passaram a ser investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público sem ordem do Tribunal Regional Federal.

Folha - Não havia uma autorização judicial em Alagoas?
Rocha Mattos -
O juiz de Maceió era de primeira instância. A autorização era para "grampos" de delegados e pessoas sem foro especial. Esse relatório é ridículo. O dr. Paulo Lacerda é incompetente, omisso, irresponsável...

Folha - Quem vai lhe defender?
Rocha Mattos -
Eu não sei se vou constituir advogado. Não tem denúncia, ao que parece... Talvez eu me defenda pessoalmente.

Folha - Qual é sua relação com os juízes Casem e Ali Mazloum?
Rocha Mattos -
Formal. Saímos para tomar um cafezinho.

Folha - O sr. fazia operações com o Toninho Barcelona [doleiro]?
Rocha Mattos -
Nunca.

Folha - O sr. atribui a operação a alguma reação pelas representações contra desembargadores?
Rocha Mattos -
Vou fazer justiça. O pessoal do dr. Scartezzini [Jorge Scartezzini, ex-presidente do TRF e ministro do STJ] não tem nada a ver com isso. Nada. Até imaginei que pudesse ter alguma coisa.

Folha - O sr. conhecia algum agente da operação?
Rocha Mattos -
Não.

Folha - Como o sr. foi tratado?
Rocha Mattos -
Eu fui tratado muito bem. Mas, antes de eu chegar, a Norma e o Caio [filho do juiz] foram maltratados, com metralhadora virada para um menino de doze anos...


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