São Paulo, domingo, 1 de novembro de 1998

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GILBERTO DIMENSTEIN
Meia volta, volver

Quando dava os retoques no pacote de redução de gastos e aumento de impostos, a equipe do presidente Fernando Henrique Cardoso esbarrou numa barreira militar. E saiu perdendo.
Já tinha sido acertada a ofensiva no bolso dos funcionários federais civis para forçá-los a pagar mais pela aposentadoria integral.
Por uma simples questão de lógica, a tesoura mirou os militares, beneficiários de um privilégio maior. Mas não cortou; preferiu os desarmados civis.
Os militares desfrutam, além de aposentadoria integral, patrocinada com dinheiro público, de um "adicional de inatividade".
Ao abandonar a farda, o militar tem uma ajuda extra, engordando seu rendimento.
Se já é inusual alguém parar de trabalhar sem abaixar os rendimentos, raríssimo é ganhar mais.
A crise na qual estamos metidos, obrigando a redução de gastos públicos, vai expondo com avassaladora crueza o peso que a sociedade suporta para bancar as estripulias oficiais.


As estatísticas sobre aposentadorias são a personificação do escárnio.
No Executivo, a média da aposentadoria é de 13,4 salários mínimos; no Legislativo, 32,8; no Judiciário, 33,2.
Compare: o INSS paga, em média, 1,8 salário mínimo.
A perversidade se estende a Estados e municípios, onde as receitas estão comprometidas bem além do razoável com a folha de pagamento.
Há municípios que drenam para o bolso de seus servidores tudo o que recebem do contribuinte.
É resultado de um crônico e irresponsável empreguismo, respondendo a interesses de grupos políticos.
A palavra servidor, assim, perde sentido. É a população que vira servidor.
Nada disso é novo, óbvio.
Novo é o tamanho da crise que invade o país, anunciando aumento do desemprego e redução dos investimentos em educação e saúde.

Somos reféns da máquina inchada e perdulária, obrigada a caçar dinheiro - o que, traduzindo, significa juros altos.
O consumidor entende juros altos quando vê a conta de seu cartão de crédito ou da prestação.
Mas, muitas vezes, não percebe que também paga com seu emprego; juros altos significam a dificuldade de o empresários investirem, alargando a produção.
São levados, assim, a pegar dinheiro lá fora; sem essa possibilidade, sufocam. Justamente o que está acontecendo.


Amarrado pela Constituição, o presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou mais aumento de impostos, punindo quem deseja produzir.
O presidente é, até certo ponto, refém. Mas nem tanto como quer se apresentar à opinião pública.
Tivesse guerreado mais pelas reformas, deixando para segundo plano a conquista de um novo mandato, possivelmente haveria maior margem de manobra.
É difícil, talvez impossível, estabelecer todas as culpas; governadores e prefeitos também assumem com monumentais rombos. Nem temos tempo.
O fato: chegamos ao ponto de termos a sensação da falta de alternativas.
Caso não se apresentem cortes, os recursos externos, uma espécie de oxigênio, desaparecem.


Junte-se a dramaticidade do descaso público à ignorância popular.
A imensa maioria da opinião pública não sabe o que está em jogo pela simples razão de que desconhece a teia complexa por trás da briga.
Não percebe a ligação entre os rombos dos orçamentos oficiais e a dificuldade de conseguir recursos para o Brasil prosperar.
Certamente é grego expor a ligação entre aprovação do FMI, redução do déficit público, entrada de dólares e combate à inflação.
Mas quem está no Congresso sabe que, neste momento, brincar com a crise vai queimar muito mais gente do que se imagina.


As crises provocam dor, mas têm um magnífico aspecto, por alertar sobre o esgotamento de processos e estimular soluções inovadoras.
Esta crise (quando sairmos dela), vai mostrar ao país, definitivamente, que a prosperidade nacional depende, em boa medida, da capacidade do público controlar a coisa pública.
É uma briga a pagar se quisermos ter mais empregos, escolas e hospitais.


PS- Podem me chamar de ingênuo, mas continuo otimista. Quando sairmos dessa pancadaria, seremos um país fortalecido, com uma sociedade mais vigorosa.
O Brasil não pára de melhorar e tem sabido aproveitar as quedas, sabendo sair melhor- mais por causa da sociedade do que dos governos.


E-mail: gdimen@uol.com.br



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