São Paulo, Quarta-feira, 01 de Dezembro de 1999


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SAÚDE
Indigentes não são alcançados por campanhas; 15% dos 30 mil moradores de rua podem estar com HIV
Aids avança entre moradores de rua

AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local

Cerca de 30 mil indigentes sem casa nem família, perambulam pelas ruas de São Paulo. Estima-se que 15% dessa população estejam com HIV ou Aids. É uma porcentagem tão alta quanto a de certos presídios, como a Casa de Detenção.
Na data em que em acontece o Dia Mundial de Luta contra Aids, os moradores de rua estão entre os grupos que mais preocupam, porque os números da doença não têm diminuído entre eles. O motivo é que não seriam alcançados por programas e campanhas.
Embora sejam apenas estimativas de ONGs (Organizações Não-Governamentais), os números de contaminados revelam o cenário da Aids mais miserável e fora de controle.
Dormindo embaixo de pontes e viadutos, grande parte dessa população de rua mais bebe do que come. Entre eles, a promiscuidade e a violência sexual são práticas cotidianas.
Eles estão fora dos serviços de saúde e quando caem doentes não conseguem tomar a medicação prescrita. Para quem vive sob a ameaça de morrer esfaqueado pelo desconhecido ao lado, o risco da Aids fica minimizado.
"Ninguém está dando atenção para essas pessoas", diz o padre Naveen Maniakompel, coordenador da ONG Fraternidade Povo da Rua. A estimativa da alta porcentagem de infectados é feita pelo padre e sua equipe. Todas as noites de quinta-feira, cerca de 20 voluntários dessa ONG percorrem viadutos e as marquises da região central, onde essas pessoas se juntam para dormir. Na sede do programa, há cerca de 600 doentes de Aids cadastrados.
"Mas não adianta levar remédio e comida", diz o padre. "Essas pessoas precisam de moradia. Sem um lugar para viver, sem emprego nem refeições mínimas, não há como seguir um tratamento que exige mais de 20 comprimidos por dia."
Para Caio Rosenthal, infectologista do Emílio Ribas, esses doentes "são terminais sociais, sem nenhuma perspectiva de vida".
Deixá-los de lado de programas de assistência médica e social pode representar o perigo de haver aumento de vírus resistente nessa população.
Muitos dos infectados pelo HIV também são portadores do bacilo da tuberculose. Ao se recontaminarem uns aos outros, os pacientes formam cepas de vírus ainda mais resistentes.
"São esses doentes que hoje ocupam com mais frequência os leitos dos hospitais", diz Rosenthal. "Assim que melhoram, pegam seu saquinho de medicamentos e desaparecem. O pacote de remédios, que chega a custar US$ 1.000, é abandonado na primeira esquina." Como não têm endereço nem documentos, os serviços sociais dos hospitais não conseguem rastreá-los.
"Estamos vivendo um desafio enorme, tentando informar essa população e chamar a atenção do governo e da sociedade", diz o padre Maniakompel. Ao longo do dia de hoje, na estação Brás do metrô, a ONG espera reunir cerca de 2.000 moradores de rua, oferecendo comida e informações mínimas.
Um dos esforços da Fraternidade Povo da Rua é fazer com que os pacientes sigam minimamente os tratamentos, uma missão poucas vezes possível.
O que mais pesaria nesse caso, seria a situação de total abandono, mais do que a miséria.
Uma pesquisa feita este ano pelo Programa Estadual de DST-Aids, de São Paulo, mostrou que 70% das pessoas que recebiam o coquetel anti-Aids vinham tomando os remédios corretamente. Um nível de aderência melhor mesmo que os registrados na Europa.
A médica Maria Ines Nemes, da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora da pesquisa, disse que a adesão era menor nos grupos com menor escolaridade e sem renda alguma. "Mas o fator que mais alterava os níveis de aderência era a qualidade dos serviços de saúde", diz a médica. O que significa que um bom trabalho da rede pública poderia atingir também os moradores de rua.


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