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DEPOIMENTO
"Se te ameaçarem, você puxa a faca e grita que tem Aids"
Doença vira forma de defesa contra a violência das ruas
da Reportagem Local
O violento universo da rua
ainda é pouco conhecido dos
organismos voltados para Aids
e saúde. Relatos de ex-moradores mostram que o risco da
doença fica pequeno diante das
ameaças do cotidiano. Muitas
vezes, o fato de ser portador vira
uma forma de defesa.
"Você dorme sempre com
uma faca ou um pedaço de garrafa ao alcance da mão. Se te
ameaçarem, você puxa a faca e
grita que tem Aids."
O relato é do ex-auxiliar de enfermagem Jean R., 37, que abandonou a casa de uma irmã e perambulou sete anos pelas ruas
depois que descobriu que tinha
Aids. Há quase um ano ele está
numa casa de abrigo.
"Depois de um tempo (na
rua) você não consegue mais
sair, vai ficando tão fraco, o cabelo e a barba compridos, que
foge das pessoas como um bicho. Se não vier alguém de fora
te ajudar, você não sai mais."
A violência sexual é frequente.
"A maioria das pessoas que conheci na rua era homossexual,
como eu. Mendigos de fora ficavam marcando a gente. Um dizia que conhecia uma marquise
boa e acabava levando alguém.
De noite, no escuro, bêbados, a
violência sexual era uma coisa
muito comum."
Como outros doentes de Aids,
Jean costumava levar no bolso
um papel de algum hospital dizendo que estava com a doença.
"Era uma forma de proteção e
de conseguir ajuda. Em cidadezinhas do interior, quando viam
aquilo, ficavam tão assustados
que logo ofereciam alguma coisa. O serviço social dava um
passe de ônibus e mandava a
gente para outra cidade. É como
acontecia nos hospitais de São
Paulo. As assistentes sociais diziam que tinha uma vaga em tal
abrigo, você chegava lá e nada.
Então voltava para a rua."
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