|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SAÚDE
Com exercícios, pacientes revertem deslocamentos de gordura pelo corpo
Soropositivo vai à academia para combater danos do HIV
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Antes, os pacientes de Aids queriam viver. Agora querem mais:
estão se organizando e "malhando" para recuperar os corpos que
tinham antes da doença. Hoje,
nas manifestações que marcam o
Dia Mundial de Luta contra a
Aids, milhares deles estarão exibindo as formas e a energia que
costumavam mostrar antes de
caírem vítimas da doença.
Para recuperar a forma dos corpos deformados pelos remédios e
pelo HIV, vários serviços e ONGs
montaram "academias" experimentais onde professores de educação física ensinam exercícios
especialmente para portadores do
vírus ou da doença.
O objetivo é fazer com que a
gordura que migrou para a barriga, o peito e a corcova volte em
forma de músculos para os braços
e a barriga. Fonoaudiólogos estão
tentando, com exercícios faciais,
fortalecer os músculos dos rostos
que ficaram murchos.
Pode parecer apenas vaidade.
Não é. A deformação do organismo, efeito colateral dos remédios
ou do próprio HIV, baixa a auto-estima, isola-os do ambiente social e leva muitos deles a tentar
abandonar o tratamento.
O principal efeito colateral do
coquetel é a lipodistrofia -o deslocamento de gorduras pelo corpo. "Antes, a cara da Aids era um
emagrecimento profundo de todo o corpo, que marcava os casos
graves e terminais. Hoje, a cara da
Aids é identificada pela face magra, o rosto murcho, a barriga
grande e os braços finos", diz o infectologista José Valdez Ramalho
Madruga, do Centro de Referência e Tratamento (CRT-Aids) da
Secretaria de Estado da Saúde. O
CRT é um dos que oferecem a
"academia" para pacientes.
"Antes, ninguém sabia se o HIV
corria no meu sangue. Hoje todo
mundo nota que não tenho mais
bumbum, que minhas pernas afinaram e que minha barriga cresceu", diz Fausto, 40, fisioterapeuta, que está voltando a atender
clientes. Fausto, que soube estar
com o vírus há 11 anos, começou a
frequentar a "academia" há quatro meses. Diz que já perdeu peso,
se sente mais confiante e seu corpo está voltando ao que era antes.
Fausto é um dos 13 "malhadores" presentes no final da última
quarta-feira na "academia" instalada no Ambulatório de Especialidades da prefeitura, no Jabaquara
(zona sul). Ele faz parte do projeto
"Corpo e Mente", cujas primeiras
turmas começaram em 2002, com
financiamento da Unesco e do
Ministério da Saúde, em parceria
com as ONGs Grupo de Incentivo
à Vida (GIV) e Lutando Pela Vida,
de Diadema (Grande SP). No total, são 120 "malhadores", 60 em
Diadema e 60 no Jabaquara.
Parcerias para os anos seguintes
já estão sendo renovadas e muitas
ONGs do interior e de outros Estados estão procurando o projeto
"para aprender a fazer a mesma
coisa", diz Hugo Hagstrom, 43,
técnico em contabilidade, portador do HIV e um dos coordenadores do projeto "Corpo e Mente". Foi a professora de educação
física Ana Lúcia Câmara Garcia,
junto com Hagstrom, quem percebeu as queixas dos pacientes e
passou a desenhar um projeto
que acabou sendo aprovado.
No Brasil inteiro, são cerca de
140 mil pacientes que recebem o
coquetel. Entre 40% e 80% deles
estariam sofrendo as consequências do uso do medicamento.
Uma estimativa vaga, que só agora começa a ser estudada numa
pesquisa envolvendo serviços de
São Paulo e de outras capitais.
Na sala simples do ambulatório
Ceci, na última quarta-feira, o entusiasmo dos "malhadores" lembrava reportagem que a Folha
publicou há 11 anos, na contracorrente dos que achavam que
não havia mais esperanças para as
vítimas da epidemia- na época
sem medicação e sem expectativas. Um salão cedido pelo CRT-Aids era usado para "exercícios de
expressão corporal".
Muitos dos que participaram
daquela iniciativa pela sobrevivência estão hoje nas "academias"
especiais e comemorando uma
melhor qualidade de vida.
Já conseguem substituir as gorduras localizadas por músculos,
mas perda de gordura da face não
tem solução simples. "O exercício
facial pode reforçar os músculos
do rosto, mas nenhum exercício
pode recuperar a gordura perdida", diz Marina Stagni, fonoaudióloga do ambulatório Ceci.
Stagni diz que especialistas têm
empregado em sulcos mais profundos da face uma técnica de
preenchimento com uma substância específica: o metacrilato,
injetado como se fosse um silicone. A aplicação é simples, mas a
mão de obra e o custo do material
podem chegar a R$ 3.000.
Na última conferência estadual
de saúde, há uma semana, os participantes conseguiram aprovar
uma moção que obrigaria o Estado a bancar esses cuidados. "É um
direito do paciente se sentir melhor com seu corpo, e o preço pode ser muito reduzido", diz
Eduardo Barbosa, presidente do
Fórum de ONGs de São Paulo.
Texto Anterior: Vestibular: Matemática exigiu mais de aluno na Fuvest Próximo Texto: Academia reúne histórias de vida Índice
|