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Disputa entre grupos cria clima de guerra em São Paulo e Rio
Tráfico sitia e expulsa
ALESSANDRO SILVA
SORAYA AGÉGE
da Reportagem Local
Nos últimos seis dias, a guerra
pelo controle do tráfico de drogas
no complexo de Heliópolis -a
maior favela de São Paulo- matou 12 pessoas e feriu 6. Ontem, a
disputa fez mais três vítimas.
Desde dezembro do ano passado, segundo a polícia, 26 pessoas
morreram nesse conflito.
Apavorados, pelo menos 60%
dos cerca de 450 moradores de
uma das favelas do complexo, a
Sem Terra, abandonaram seus
barracos desde sexta-feira.
O conflito envolve dois grupos
que comandam a distribuição de
drogas nas favelas Heliópolis, Vila
Prudente, Paraguai e Sem Terra,
na zona sudoeste, onde vivem
cerca de 90 mil pessoas.
Ontem de manhã, a polícia encontrou os corpos de três rapazes,
um deles adolescente, em uma
das vielas distante 200 metros do
95º DP (Heliópolis). Foi a 20ª chacina do ano na Grande São Paulo.
Eles estavam com as mãos
amarradas para trás, tinham marcas de tiros na cabeça e um dos
pés descalço -simbolismo que
representa, segundo a polícia,
""que eles pisaram na bola".
A polícia acredita que os três foram mortos em outro local e levados em seguida como recado para
os traficantes de Heliópolis. Havia
um rastro de sangue no asfalto, ao
longo de 150 metros, do ponto
onde os assassinos pararam os
carros até o local escolhido para
deixar os corpos das vítimas.
O crime aconteceu depois que
PM abandonou a prontidão iniciada anteontem à tarde no local.
Na sexta-feira passada, cinco
pessoas morreram e seis se feriram em tiroteio na favela Paraguai, de acordo com a polícia,
provocado por matadores contratados pelas lideranças do tráfico que dominam Heliópolis.
Um dia antes, a polícia havia registrado dois duplos homicídios
em Heliópolis, cujos mandantes
seriam das favelas da Vila Prudente, Sem Terra e Paraguai.
""O motivo é a disputa pelos
pontos de venda de drogas, somada à vingança entre os grupos",
diz o delegado Marco Antonio
Novaes Santos, diretor do DHPP
(Departamento de Homicídios e
Proteção à Pessoa).
Medo
Os moradores que estão deixando suas casas afirmam que, até
dezembro, a favela Sem Terra era
"protegida" por um traficante conhecido como "Barriga", que está
desaparecido.
Segundo a polícia, ele também
controlava o tráfico nas favelas
Paraguai e da Vila Prudente.
Naquele mês, traficantes de Heliópolis, liderados por ""Sujeirinha", mataram 12 integrantes da
família de Barriga. Em represália,
ele mandou matar o sócio de ""Sujeirinha", o traficante Valério
Cotta Oliveira, 23, uma semana
antes do Natal.
Por dois meses, no ano passado,
as famílias que vivem no complexo Heliópolis conviveram com
toque de recolher à noite.
Segundo a polícia, as quadrilhas
estão armadas com pistolas calibre 44, submetralhadoras e espingardas calibre 12. "A polícia só
vem aqui para tirar o lixo, pois,
depois de mortos, os favelados viram lixo", diz Nilzete (nome fictício), morador da Sem Terra.
Na região metropolitana da cidade do Rio, a guerra entre grupos rivais produziu nos dois últimos meses 1 morto a cada 35 horas
FERNANDA DA ESCÓSSIA
da Sucursal do Rio
A disputa entre facções rivais no
Rio de Janeiro já registrou 41 assassinatos nos meses de janeiro e
fevereiro, quando os tiroteios nos
morros e favelas se tornaram quase diários e as chacinas tomaram
conta do noticiário -base para o
levantamento preliminar feito pela Folha.
O jovem é a principal vítima: 21
mortos (51% do total) tinham até
24 anos; 13 (31%) não tiveram a
idade fornecida. Entre as vítimas,
48,7% tinham suposta ligação
com o narcotráfico, segundo a
polícia. Um cabo PM também foi
morto por traficantes quando patrulhava uma área onde seis pessoas já haviam morrido.
A Secretaria da Segurança Pública informou não dispor de dados sobre o percentual de homicídios relacionados ao tráfico. Os
índices de criminalidade da secretaria só trabalham com os registros de ocorrência, não contêm
dados sobre as razões.
Pesquisas realizadas em 1994
pelo hoje coordenador de Segurança do governo, Luiz Eduardo
Soares, indicavam que 65% dos
homicídios na cidade do Rio tinham ligação com o tráfico.
Em janeiro, foram notificados
no Estado do Rio 522 homicídios.
Os dados de fevereiro ainda não
foram divulgados.
Facções criminosas
As principais guerras aconteceram em quatro áreas: morro do
Estado, em Niterói (cinco mortos), morros Cerro-Corá (seis
mortos) e Dona Marta (um morto), ambos na zona sul do Rio, e
favela Nova Holanda, na zona
norte (sete mortos).
Cada guerra apavora os moradores e revela o confronto entre as
chamadas facções criminosas do
Rio de Janeiro: o Comando Vermelho, o Terceiro Comando, o
Comando Vermelho Jovem e o
ADA (Amigos dos Amigos).
Essas facções são comandadas
dos presídios pelos grandes traficantes. No antigo presídio da Ilha
Grande foi criado o Comando
Vermelho, que tinha a hegemonia
do tráfico até o surgimento das
facções rivais.
O ADA, por exemplo, é comandado por Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, um dos maiores traficantes do Rio, preso em Bangu 1.
Criado como um grupo que prestava serviços para as outras facções, o ADA hoje age sozinho e é
considerado pela polícia a facção
mais bem armada.
A Polícia Militar teve de ocupar
o Dona Marta para tentar pôr fim
à guerra em que o Terceiro Comando tenta tomar os pontos dominados por Márcio Amaro de
Oliveira, o Marcinho VP, pivô de
outro escândalo.
Para o deputado estadual e ex-chefe de polícia Hélio Luz (PT), as
últimas guerras entre traficantes
são resultado da falta de policiamento nos morros e favelas e poderiam ser contidas. "As facções
existem, mas são menos organizadas do que o governo quer fazer
crer. Há falta de comando e de
competência", afirmou Luz.
Ele diz que o governo tem de fazer mais ações sociais nas favelas.
"É preciso transformar o favelado
em cidadão. Senão, esses jovens
vão continuar morrendo. Eles são
ao mesmo tempo agentes e vítimas do tráfico."
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