São Paulo, quinta-feira, 02 de março de 2000


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Disputa entre grupos cria clima de guerra em São Paulo e Rio
Tráfico sitia e expulsa

ALESSANDRO SILVA
SORAYA AGÉGE
da Reportagem Local

Nos últimos seis dias, a guerra pelo controle do tráfico de drogas no complexo de Heliópolis -a maior favela de São Paulo- matou 12 pessoas e feriu 6. Ontem, a disputa fez mais três vítimas.
Desde dezembro do ano passado, segundo a polícia, 26 pessoas morreram nesse conflito.
Apavorados, pelo menos 60% dos cerca de 450 moradores de uma das favelas do complexo, a Sem Terra, abandonaram seus barracos desde sexta-feira.
O conflito envolve dois grupos que comandam a distribuição de drogas nas favelas Heliópolis, Vila Prudente, Paraguai e Sem Terra, na zona sudoeste, onde vivem cerca de 90 mil pessoas.
Ontem de manhã, a polícia encontrou os corpos de três rapazes, um deles adolescente, em uma das vielas distante 200 metros do 95º DP (Heliópolis). Foi a 20ª chacina do ano na Grande São Paulo.
Eles estavam com as mãos amarradas para trás, tinham marcas de tiros na cabeça e um dos pés descalço -simbolismo que representa, segundo a polícia, ""que eles pisaram na bola".
A polícia acredita que os três foram mortos em outro local e levados em seguida como recado para os traficantes de Heliópolis. Havia um rastro de sangue no asfalto, ao longo de 150 metros, do ponto onde os assassinos pararam os carros até o local escolhido para deixar os corpos das vítimas.
O crime aconteceu depois que PM abandonou a prontidão iniciada anteontem à tarde no local.
Na sexta-feira passada, cinco pessoas morreram e seis se feriram em tiroteio na favela Paraguai, de acordo com a polícia, provocado por matadores contratados pelas lideranças do tráfico que dominam Heliópolis.
Um dia antes, a polícia havia registrado dois duplos homicídios em Heliópolis, cujos mandantes seriam das favelas da Vila Prudente, Sem Terra e Paraguai.
""O motivo é a disputa pelos pontos de venda de drogas, somada à vingança entre os grupos", diz o delegado Marco Antonio Novaes Santos, diretor do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).

Medo
Os moradores que estão deixando suas casas afirmam que, até dezembro, a favela Sem Terra era "protegida" por um traficante conhecido como "Barriga", que está desaparecido.
Segundo a polícia, ele também controlava o tráfico nas favelas Paraguai e da Vila Prudente.
Naquele mês, traficantes de Heliópolis, liderados por ""Sujeirinha", mataram 12 integrantes da família de Barriga. Em represália, ele mandou matar o sócio de ""Sujeirinha", o traficante Valério Cotta Oliveira, 23, uma semana antes do Natal.
Por dois meses, no ano passado, as famílias que vivem no complexo Heliópolis conviveram com toque de recolher à noite.
Segundo a polícia, as quadrilhas estão armadas com pistolas calibre 44, submetralhadoras e espingardas calibre 12. "A polícia só vem aqui para tirar o lixo, pois, depois de mortos, os favelados viram lixo", diz Nilzete (nome fictício), morador da Sem Terra.

Na região metropolitana da cidade do Rio, a guerra entre grupos rivais produziu nos dois últimos meses 1 morto a cada 35 horas
FERNANDA DA ESCÓSSIA
da Sucursal do Rio

A disputa entre facções rivais no Rio de Janeiro já registrou 41 assassinatos nos meses de janeiro e fevereiro, quando os tiroteios nos morros e favelas se tornaram quase diários e as chacinas tomaram conta do noticiário -base para o levantamento preliminar feito pela Folha.
O jovem é a principal vítima: 21 mortos (51% do total) tinham até 24 anos; 13 (31%) não tiveram a idade fornecida. Entre as vítimas, 48,7% tinham suposta ligação com o narcotráfico, segundo a polícia. Um cabo PM também foi morto por traficantes quando patrulhava uma área onde seis pessoas já haviam morrido.
A Secretaria da Segurança Pública informou não dispor de dados sobre o percentual de homicídios relacionados ao tráfico. Os índices de criminalidade da secretaria só trabalham com os registros de ocorrência, não contêm dados sobre as razões.
Pesquisas realizadas em 1994 pelo hoje coordenador de Segurança do governo, Luiz Eduardo Soares, indicavam que 65% dos homicídios na cidade do Rio tinham ligação com o tráfico.
Em janeiro, foram notificados no Estado do Rio 522 homicídios. Os dados de fevereiro ainda não foram divulgados.

Facções criminosas
As principais guerras aconteceram em quatro áreas: morro do Estado, em Niterói (cinco mortos), morros Cerro-Corá (seis mortos) e Dona Marta (um morto), ambos na zona sul do Rio, e favela Nova Holanda, na zona norte (sete mortos).
Cada guerra apavora os moradores e revela o confronto entre as chamadas facções criminosas do Rio de Janeiro: o Comando Vermelho, o Terceiro Comando, o Comando Vermelho Jovem e o ADA (Amigos dos Amigos).
Essas facções são comandadas dos presídios pelos grandes traficantes. No antigo presídio da Ilha Grande foi criado o Comando Vermelho, que tinha a hegemonia do tráfico até o surgimento das facções rivais.
O ADA, por exemplo, é comandado por Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, um dos maiores traficantes do Rio, preso em Bangu 1. Criado como um grupo que prestava serviços para as outras facções, o ADA hoje age sozinho e é considerado pela polícia a facção mais bem armada.
A Polícia Militar teve de ocupar o Dona Marta para tentar pôr fim à guerra em que o Terceiro Comando tenta tomar os pontos dominados por Márcio Amaro de Oliveira, o Marcinho VP, pivô de outro escândalo.
Para o deputado estadual e ex-chefe de polícia Hélio Luz (PT), as últimas guerras entre traficantes são resultado da falta de policiamento nos morros e favelas e poderiam ser contidas. "As facções existem, mas são menos organizadas do que o governo quer fazer crer. Há falta de comando e de competência", afirmou Luz.
Ele diz que o governo tem de fazer mais ações sociais nas favelas. "É preciso transformar o favelado em cidadão. Senão, esses jovens vão continuar morrendo. Eles são ao mesmo tempo agentes e vítimas do tráfico."



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