São Paulo, segunda, 2 de março de 1998

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OPINIÃO
O corte nas bolsas

RITA VAZ DE MELO e
JOSÉ MARIA ALVES DA SILVA


Com o anunciado corte das bolsas de estudos, o governo brasileiro vem acelerar o processo de erosão do sistema público de educação superior, como se estivesse procurando atingir mais rápido a meta (não declarada), de colocá-lo no mesmo nível de degradação em que já se encontram os congêneres de primeiro e segundo graus.
O anúncio revela, mais uma vez, a natureza volúvel do atual governo, pois veio contradizer promessa anterior de que o orçamento da educação seria poupado no ajuste das contas públicas. O argumento é o aumento do número de bolsistas nos últimos anos, como se fosse uma distorção a ser corrigida.
Em comemoração aos 45 anos da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal Docente (Capes), o presidente Fernando Henrique Cardoso fez questão de lembrar a condição de ex-bolsistas dele e de sua mulher, em temporada francesa de estudos. São notórios ex-bolsistas os ministros Paulo Renato, Pedro Malan, Francisco Weffort, Reinhold Stephanes, Antonio Kandir, entre outros. Será que todos acham que os recursos investidos neles foram mal aplicados?
O Programa Institucional de Capacitação de Docentes e Técnicos (PICDT) foi comprometido de forma drástica pela medida que prevê a suspensão de todas as bolsas para instituições que tiverem mais de 40% de seu corpo docente na pós-graduação. É significativo que isso ocorra justamente num programa que se destina ao fortalecimento das universidades.
Pesquisa da Universidade de Brasília sobre o perfil da pós-graduação brasileira revela que os pós-graduandos beneficiários de bolsas são justamente os que concluem o curso mais rapidamente. Alunos sem ajuda financeira têm menos tempo para dedicar aos estudos. O empenho de verbas públicas em bolsas gera inegáveis retornos para o país em desenvolvimento científico e tecnológico.
O último "provão" do MEC ratificou a supremacia qualitativa das universidades públicas em relação às particulares. Cruzando seus dados com indicadores do corpo docente, o MEC concluiu, conforme o ministro, que o desempenho dos estudantes se vincula à qualificação dos professores e à jornada de trabalho. Em 77,3% dos cursos que obtiveram notas A e B, a avaliação dos professores atribuía também os maiores conceitos.
Se é assim, e se o próprio MEC reconhece, como explicar a contradição envolvida no corte das bolsas se, no setor público brasileiro, a despesa com esse item é uma mixaria, que nem se compara com os elevadíssimos juros que o Banco Central impõe ao Tesouro?
Será que a crise financeira é tão séria, já que o governo não hesita em prejudicar a carreira de estudantes universitários e jovens professores, comprometendo o futuro da ciência a troco de ninharias? O MEC é tão subordinado assim aos ministérios econômicos a ponto de conformar-se com a subversão de valores que isso representa? Qual a verdadeira razão "política" por trás disso tudo? Afinal, quem governa o Brasil?


Rita Vaz de Melo, 36, pedagoga, é professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Viçosa (MG). José Maria Alves da Silva, 45, economista, é professor do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa



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