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OPINIÃO
O corte nas bolsas
RITA VAZ DE MELO e
JOSÉ MARIA ALVES DA SILVA
Com o anunciado corte das
bolsas de estudos, o governo brasileiro vem acelerar o processo de
erosão do sistema público de educação superior, como se estivesse
procurando atingir mais rápido a
meta (não declarada), de colocá-lo
no mesmo nível de degradação em
que já se encontram os congêneres
de primeiro e segundo graus.
O anúncio revela, mais uma vez,
a natureza volúvel do atual governo, pois veio contradizer promessa anterior de que o orçamento da
educação seria poupado no ajuste
das contas públicas. O argumento
é o aumento do número de bolsistas nos últimos anos, como se fosse uma distorção a ser corrigida.
Em comemoração aos 45 anos
da Comissão de Aperfeiçoamento
de Pessoal Docente (Capes), o presidente Fernando Henrique Cardoso fez questão de lembrar a condição de ex-bolsistas dele e de sua
mulher, em temporada francesa
de estudos. São notórios ex-bolsistas os ministros Paulo Renato, Pedro Malan, Francisco Weffort,
Reinhold Stephanes, Antonio
Kandir, entre outros. Será que todos acham que os recursos investidos neles foram mal aplicados?
O Programa Institucional de Capacitação de Docentes e Técnicos
(PICDT) foi comprometido de
forma drástica pela medida que
prevê a suspensão de todas as bolsas para instituições que tiverem
mais de 40% de seu corpo docente
na pós-graduação. É significativo
que isso ocorra justamente num
programa que se destina ao fortalecimento das universidades.
Pesquisa da Universidade de
Brasília sobre o perfil da pós-graduação brasileira revela que os
pós-graduandos beneficiários de
bolsas são justamente os que concluem o curso mais rapidamente.
Alunos sem ajuda financeira têm
menos tempo para dedicar aos estudos. O empenho de verbas públicas em bolsas gera inegáveis retornos para o país em desenvolvimento científico e tecnológico.
O último "provão" do MEC ratificou a supremacia qualitativa das
universidades públicas em relação
às particulares. Cruzando seus dados com indicadores do corpo docente, o MEC concluiu, conforme
o ministro, que o desempenho dos
estudantes se vincula à qualificação dos professores e à jornada de
trabalho. Em 77,3% dos cursos
que obtiveram notas A e B, a avaliação dos professores atribuía
também os maiores conceitos.
Se é assim, e se o próprio MEC
reconhece, como explicar a contradição envolvida no corte das
bolsas se, no setor público brasileiro, a despesa com esse item é
uma mixaria, que nem se compara
com os elevadíssimos juros que o
Banco Central impõe ao Tesouro?
Será que a crise financeira é tão
séria, já que o governo não hesita
em prejudicar a carreira de estudantes universitários e jovens professores, comprometendo o futuro da ciência a troco de ninharias?
O MEC é tão subordinado assim
aos ministérios econômicos a
ponto de conformar-se com a subversão de valores que isso representa? Qual a verdadeira razão
"política" por trás disso tudo? Afinal, quem governa o Brasil?
Rita Vaz de Melo, 36, pedagoga, é professora
do Departamento de Educação da Universidade
Federal de Viçosa (MG). José Maria Alves da
Silva, 45, economista, é professor do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa
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