São Paulo, domingo, 02 de junho de 2002

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SAÚDE

Crescem casos de plástica reparadora

BRUNO LIMA
DAS REGIONAIS

Dezembro de 2001. A publicitária Renata Guimarães Archilla, 22, está parada em um sinal, no Morumbi, zona oeste de São Paulo. Um homem vestido de Papai Noel se aproxima do carro. Ela procura na bolsa dinheiro para um donativo. O homem saca uma arma e dispara quatro vezes.
Três tiros atingiram o rosto da publicitária. No carro da polícia, ela criou coragem para se olhar no retrovisor. "Lembro-me exatamente do meu rosto. Tinha um rombo na minha bochecha. Quebrei a mandíbula e o maxilar, e minha língua rasgou inteira."
Cinco meses depois, a publicitária afirma que restaram somente pequenas cicatrizes. "Não dá pra dizer que levei os tiros. Foi uma obra de arte, voltei a ser quem eu era", afirma ela.
O "artista" foi um cirurgião plástico que reconstruiu o rosto de Renata. De acordo com alerta feito na 22ª Jornada Paulista de Cirurgia Plástica, que termina hoje em São Paulo, casos como o da publicitária estariam se tornando mais frequentes.
Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, para cada cirurgia plástica estética feita no país, uma cirurgia reparadora ou reconstrutiva é realizada. Para a entidade, o aumento da violência é o principal responsável por levar mais pessoas à sala de cirurgia do especialista em plástica.
De 90 a 95, entre os pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo) com fraturas em ossos da face, 51,5% eram vítimas de acidentes automobilísticos. As agressões representavam 29,7%.
Em 1994, de acordo com a sociedade, somente 20% das cirurgias plásticas não eram puramente estéticas. Hoje, o número de cirurgias estéticas e reparadoras teria se equiparado.
Os dados surpreenderam os especialistas ouvidos pela Folha. Segundo os médicos, a experiência mostra que as reconstruções sempre foram mais representativas.

Sem susto
"A cirurgia plástica de embelezamento é muito valorizada. Mas, nas universidades, talvez 90% das cirurgias sejam reparadoras", diz Nivaldo Alonso, 47, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Craniofacial.
José Alves de Sousa, 40, levou uma martelada de um vizinho durante uma discussão. Precisou ter o maxilar reconstruído. Ele se disse surpreso com o resultado. "Quase não dá pra ver", diz.
"O objetivo da cirurgia reparadora é devolver o indivíduo ao convívio social, sem assustar ninguém", diz o professor-adjunto da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e secretário-geral da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Helton Traber, 48.
As técnicas de reconstrução e reparação -úteis até mesmo em casos de câncer, para corrigir sequelas decorrentes da radioterapia e de complicações da quimioterapia- têm tido avanços, mas isso não significa que seja possível esperar pela perfeição.
"Os pacientes não devem ser iludidos. Devem saber os limites", declara o chefe da Divisão de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas de São Paulo, o médico Marcus Castro Ferreira.
Segundo ele, o entendimento do que é procedimento estético e do que é reparação ainda não é pacífico e os conceitos podem variar de acordo com o convênio de saúde. Um exemplo é a cirurgia feita para remover depósitos de gordura em pacientes com o HIV. "Alguns tipos de cirurgia podem ser encaradas como estéticas, mas trazem um benefício enorme ao lado psicológico do paciente."
A cirurgia reparadora possui mais de 4.000 procedimentos diferentes. Muitas dessas técnicas já conseguem evitar que o paciente experimente a sensação de mutilação. Um exemplo é a reconstrução da mama feita na mesma cirurgia em que é retirado o tumor.
"Acordar e não me sentir mutilada foi muito importante para minha recuperação", afirma Roseli Ferraz, 49, que teve a mama retirada e reconstruída com tecido do abdômen, no mesmo dia.
João Ângelo Santos, 72, teve o nariz corroído pela leishmaniose cutânea, conhecida como úlcera de Bauru. "Foi estragando por dentro. Acabei viciado em respirar pela boca." Tecidos da testa do aposentado foram usados para refazer a parte superior do nariz.


Colaborou FABIANE LEITE, da Reportagem Local


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