São Paulo, quinta-feira, 02 de junho de 2005

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CRIMES NA CASERNA

Para Nilmário Miranda (Justiça), há noção entre militares de que é preciso submeter recrutas a situação limite

Agressão em quartel é cultural, diz ministro

MARIO HUGO MONKEN
DA SUCURSAL DO RIO

O secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, atribuiu a violência empregada nos quartéis a uma cultura das Forças Armadas de que é preciso submeter, principalmente os mais novos, a situações limite que poderão enfrentar em algum momento. "Um treinamento duro não significa submeter a pessoa a sofrimento e agressões físicas. Os códigos e normas de treinamentos das Forças Armadas não prevêem tortura", afirmou.
Ontem, a Folha revelou que processos na Justiça Militar mostram que a tortura se disseminou pelos quartéis das Forças Armadas em vários Estados nos últimos cinco anos. Em instruções de treinamento, para confessar crimes ou como punição a atos de indisciplina, os militares são submetidos, por exemplo, a choques elétricos e golpes com vara.
Miranda disse que nem todos os casos de violência se configuram como tortura, mas são violações de direitos humanos.
"Pela lei, a tortura é reforçada principalmente quando alguém é submetido a sofrimento e humilhação", disse ele. Casos de abuso de autoridade e lesão corporal podem não ser tortura, mas são violações de direitos", completou.
A presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Iriny Lopes (PT-ES), informou à Folha que solicitará uma audiência com o ministro da Defesa, José Alencar, para pedir explicações sobre os abusos.
Segundo ela, o Exército tem obedecido a um padrão de negar a existência da tortura.
"Em qualquer circunstância, a prática de tortura é crime. Admiti-la ou justificá-la equivale a legitimá-la, o que contraria a posição histórica do Brasil nos foros internacionais, inclusive como signatário de tratos e convenções que proíbem a tortura", disse.

Repercussão
Para a diretora-executiva da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho, a violência dentro dos quartéis acaba por refletir no tratamento desumano imposto pelas forças militares e a polícia à população. "Os militares são submetidos a exercícios exaustivos, tortura psicológica, humilhações, são privados de alimentação e isso acaba refletindo futuramente."
Ela disse que os casos não são isolados e não vem a público porque não são investigados. "Há impunidade. Temos casos da década de 1990 que nunca foram investigados", disse.
Para Cecília Coimbra, do grupo Tortura Nunca Mais, a tortura ainda existe hoje porque falta vontade política e porque a sociedade aceita. "Diferentemente da época da ditadura militar, quando os opositores ao regime, na maioria de classe média, eram vítimas, a tortura de hoje é contra o pobre. E tortura contra o pobre nunca horrorizou ninguém. Acho que a tortura hoje não é apenas usada como método, mas sim como controle social", declarou.


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