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MOACYR SCLIAR
O monstro de olhos verdes
Detetive segue marido por R$ 300.
Casos conjugais representam 60%
das investigações. Brasil, 25.jul.2004
Como muitas mulheres de
meia-idade, ela estava convencida de que o marido a traía.
Mas, diferente de muitas mulheres de meia-idade, não tinha
qualquer prova dessa pretensa infidelidade, ao contrário. Casados
há 27 anos, ele poderia ser considerado o esposo exemplar. Depois
do trabalho voltava direto para
casa, nunca saía às noites, não
viajava, passava o fim de semana
com a família: a mulher, os três filhos, um dos quais, já casado, lhe
dera netos. E até procurava-a para fazer amor; ela, torturada pelo
ciúme, é que se recusava a tal. Ele
mostrava-se compreensivo: você
deve estar passando por uma fase
difícil, mas pode contar com meu
apoio. Essa tolerância só fazia
crescer as suspeitas dela: se o marido podia dar-se ao luxo de mostrar-se bonzinho, era porque estava aprontando e se sentia culpado. A amiga e confidente, Ligia,
não tinha dúvida de que aquilo
era coisa de cuca:
- Você está tendo fantasias, minha cara. É ruim para você, é
uma injustiça para seu marido.
Procure um terapeuta. É o melhor
que você pode fazer.
Ela não procurou um terapeuta. Procurou um detetive, cujo
discreto anúncio vira em uma revista, e cuja especialidade era
exatamente essa, infidelidade
conjugal. O detetive recebeu-a em
seu escritório. Era um homem
ainda jovem, simpático, sedutor
mesmo. Convidou-a a sentar
num amplo sofá, ouviu com atenção a história; quando ela lhe perguntou se aquilo tudo seria produto de uma imaginação perturbada, limitou-se a sorrir: até os
paranóicos às vezes são perseguidos. Em seguida fez o que os detetives costumam fazer: indagou informações acerca do marido, pediu uma foto, que examinou com
atenção. Combinaram o pagamento, que não era exagerado;
ele disse que faria um relatório semanal de sua investigação.
Nas semanas seguintes, ela passou a viver em função desses relatórios, que aguardava com ansiedade e que resultaram em um
misto de decepção e de alívio. Segundo o detetive, as suspeitas
eram infundadas; o marido comportava-se de forma exemplar e
era até conhecido entre os colegas
de escritório como modelo de virtude. A senhora está me pagando
para nada, garantiu. E advertiu-a contra o ciúme, o monstro de
olhos verdes.
- Como os meus -acrescentou,
rindo: de fato, ele tinha olhos verdes. Belos olhos verdes de um brilho fascinante. Ela hesitou
um instante e depois se jogou nos
braços dele.
Têm se encontrado uma vez por
semana, no escritório dele, onde o
sofá substitui perfeitamente uma
cama. Ela, feliz, não nutre mais
ressentimentos nem suspeitas.
Já o detetive tem uma preocupação: o que fará se o marido da
amante contratá-lo para uma investigação? Mas confia em
sua habilidade: tem preparado
um discurso imaginário, advertindo esse possível cliente contra
aquele espectro que inferniza a
vida dos casais, o famoso monstro
de olhos verdes.
Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às
segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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