São Paulo, Quinta-feira, 02 de Dezembro de 1999


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

INCULTA & BELA

"Gosto de ser e de estar"

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha

A letra de "Língua", escrita por Caetano Veloso em 1984, já foi incluída na prova de português de alguns vestibulares, entre eles o da Unesp (Universidade Estadual Paulista). Nesse exame, o texto de Caetano foi associado ao poema "Língua Portuguesa", escrito por Olavo Bilac em 1914. De estrutura parnasiana, o poema de Bilac começa assim: "Última flor do Lácio, inculta e bela/ És a um tempo esplendor e sepultura...". Descobriu de onde vem o nome desta coluna? Prometo um belo dia tentar explicar o texto de Bilac. Por enquanto, vamos discutir um pouco do de Caetano, que começa assim: "Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões. Gosto de ser e de estar e quero me dedicar a criar confusões de prosódias e uma profusão de paródias que encurtem dores e furtem cores como camaleões". Entre os vários sentidos de "Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões", está o de que a língua do Brasil ("a minha língua") abre seu caminho ("roçar") na de Camões. Também está o de que as duas línguas se roçam, misturam suas pernas. Em seguida, a letra de "Língua" diz: "Gosto de ser e de estar". O que é isso? Lembra-se de Eduardo Portella (ministro da Educação do governo Geisel, se não me engano)? Um belo dia, Portella disse: "Eu não sou ministro; estou ministro". Pois é, em inglês, "ser" é "to be" e "estar" também é "to be". "Eu não sou" e "Eu não estou" se traduzem por "I am not". Como seria a frase do ministro Portella em inglês? Certamente seria preciso acrescentar alguma expressão adverbial para diferenciar a idéia de estado constante (ser ministro) da de estado momentâneo (estar ministro). Entendeu por que Caetano diz "Gosto de ser e de estar"? O poeta simplesmente diz que gosta do que a língua portuguesa tem de seu, de particular. Os vestibulares estão em pleno andamento, e é bom saber que o preconceito contra a letra de música popular está definitivamente superado. Seja na prova de língua, seja no tema da redação, Fuvest, Unesp, Unicamp, PUC e várias das universidades federais e estaduais usam e abusam das letras dos nossos bons poetas musicais. Caetano é um dos que mais aparecem. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras. E-mail: inculta@uol.com.br

Texto Anterior: Legislativo: PFL rejeita vincular verba à saúde
Próximo Texto: Vivendo mais: Expectativa de vida no país cresce de 66 para 68 anos
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.