São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

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ADMINISTRAÇÃO

Secretário do Planejamento de Marta diz que sua proposta de Plano Diretor não é para virar tese acadêmica

Para Wilheim, seu plano vai financiar SP

SÉRGIO DURAN
CHICO DE GOIS


DA REPORTAGEM LOCAL

Protestos na Universidade de São Paulo, discussões intensas em emissoras de rádio e na Folha, críticas no Secovi (sindicato das imobiliárias e construtoras) -essa foi a recepção ao Plano Diretor da prefeitura. No entanto, segundo o secretário municipal do Planejamento Urbano, Jorge Wilheim, 72, autor do projeto, o saldo dos quase 30 debates oficiais feitos até agora é positivo.
Um dos poucos secretários da equipe de Marta Suplicy sem aspirações políticas para 2002, Wilheim enfrenta críticas justamente do meio acadêmico, no qual sempre transitou com liberdade. "Não estamos preocupados em fazer o grande e apreciado livro, e sim a lei do Plano Diretor", disse, em entrevista à Folha, na qual falou, entre outros assuntos, sobre as dificuldades de aprová-lo na Câmara. Leia, a seguir, trechos:

Folha - Por que o sr. acha que a proposta de Plano Diretor foi tão mal recebida por acadêmicos?
Jorge Wilheim -
Se você tivesse perguntado a 12, e a opinião fosse igual, eu ficaria preocupado, mas não é bem assim. Não há unanimidade nas críticas e há detalhes, nesse debate, que me deixam pasmo. Ninguém comentou que nós estamos mudando toda a maneira de nos relacionarmos com aqueles que fazem a cidade.
Uma cidade é um fenômeno de cultura. Portanto é plural e feita por muitos atores. Pela primeira vez, por meio de um jogo de diminuição e depois aumento do potencial construtivo, estamos capturando uma parte do valor imobiliário e dividindo, com todos, os ônus e benefícios.
Essa é uma maneira de a cidade se financiar, extremamente moderna, e responde a uma problemática mundial, que é a das cidades não terem dinheiro. O plano muda o enfoque de como a cidade se financia, muda a maneira de fazer urbanismo. E isso, para um estudioso, é matéria de primeiríssima ordem. Mas as pessoas não querem sujar as mãos.
Isso acontece conosco, intelectuais, e eu me coloco entre eles. Se temos uma teoria na cabeça e existe um choque entre essa tese e a realidade, não há dúvida, ficamos com a teoria. Porque é mais manipulável na nossa cabeça.

Folha - Uma das críticas diz que o sr. elaborou o plano em tempo insuficiente para tentar solucionar problemas complexos e antigos.
Wilheim -
Para efeito de diretrizes básicas, que é o que o plano dá, o tempo foi suficiente. O ótimo, realmente, é inimigo do bom. No caso de políticas públicas, você perseguir o ótimo pode afundar toda a idéia de fazer um Plano Diretor. Nós temos experiência nisso. Eu já estive nesse cargo antes, no tempo do [Mário" Covas [1981-83", e herdei uma situação anterior. O Cândido Malta [professor da FAU/USP, um dos críticos" era secretário do Planejamento e ficou toda a gestão do [Olavo" Setúbal, e, depois, do Reinaldo de Barros, acho que seis anos, elaborando um plano diretor. O [Luiz Carlos" Costa [professor da FAU/USP, outro crítico", acho, era o responsável pelo setor na Sempla (Secretaria Municipal do Planejamento). E ele não foi capaz de fazer o plano em seis anos. Não que ele não tenha sido capaz. Provavelmente, havia menos informação, portanto, era mais difícil do que hoje, mas, além disso, a busca do ótimo fez o negócio patinar. Não houve plano.
Fazer um Plano Diretor não é um ato exclusivamente técnico, é um ato político. Não estamos preocupados em fazer o grande livro, que é apreciado nas bibliotecas, no mundo acadêmico. Estamos preocupados em fazer a lei do Plano Diretor, em fazer aquela orientação básica para um horizonte até 2010, que permita à administração pública, à sociedade e aos agente econômicos terem a mesma perspectiva de futuro, a mesma previsibilidade.

Folha - O sr. acredita que os vereadores têm bagagem suficiente para debater o plano, sendo que eles sofrerão muita pressão?
Wilheim -
Eu tenho uma postura muito otimista em relação a essa Câmara. Ela tem uma composição que é sensivelmente melhor que a das anteriores. Além disso, é legítimo que haja pressões desde que sejam transparentes. Cabe à Câmara analisar a grande responsabilidade que ela tem de dar para São Paulo um Plano Diretor. Ela parte de uma situação de dívida para com a cidade. É a terceira ou quarta vez que a Câmara recebe proposta de um Plano Diretor.

Folha - O vereador Nabil Bonduki (PT) disse que essa discussão estava sendo travada entre técnicos e que a população da periferia não sabe o que é um Plano Diretor e como ele pode afetá-la. Na Câmara, as pressões se dão mais pelo empresariado. O sr. não acha que essa população ficará excluída?
Wilheim -
Não exatamente. Os debates mais interessantes e ricos até agora foram travados em Itaquera, Perus, Butantã, no Instituto de Engenharia e no Secovi. É claro que é muito diferente de um lugar para o outro. Agora, o Plano Diretor como tema de debate não é fácil. Há assuntos que são muito complexos até para técnicos. Mas não tem como evitar.

Folha - Em que o seu plano é diferente dos anteriores?
Wilheim -
Ele se preocupa com o problema da gestão. No caso do plano que estamos apresentando, ele reflete uma preocupação com o mercado e a sociedade civil.

Folha - São Paulo é uma cidade que se acostumou a viver fora da lei. Como o plano vê o problema?
Wilheim -
A cidade não está acostumada a seguir a lei porque, em primeiro lugar, perdeu, nesses últimos oito anos, a autoridade. Isso é um problema que não tem a ver com planejamento, mas com atitude política e questões éticas. Além disso, o governo federal não tem obras nem investimento em sua principal cidade.

Folha - Mas isso não é por causa do posicionamento político dos prefeitos de São Paulo, que, de certa forma, sempre foram oposição ao governo federal?
Wilheim -
É verdade, mas isso faz parte de uma democracia pluripartidária. O governo tem uma responsabilidade com as populações. Mas o que São Paulo recebe é a dívida a ser paga. Os dez anos de horizonte do plano são o mesmo período para o pagamento da dívida. Quando se fala que precisamos de transporte coletivo, não há ninguém que discorde. Mas não podemos deixar de refletir que isso depende de recursos. Temos de ter os pés no chão.

Folha - O sr. diria que o Plano Diretor de São Paulo é um plano pé no chão, sem grandes sonhos?
Wilheim -
Não, eu não digo que não tenha sonhos. Mas não é uma esperança que possa ser colocada de uma forma irrefletida. Por isso nossa preocupação com os recursos é importante.

Folha - Com o rebaixamento do potencial construtivo, há empreiteiros que disseram que iriam fugir de São Paulo. O sr. acredita nisso?
Wilheim -
Ninguém foge de São Paulo. É fugir do seu próprio negócio. Nós não queremos que diminua a atividade da construção civil. Ela é muito importante porque representa empregos para um tipo de trabalhador que não se adequa facilmente a outros tipos de serviço. Mas achamos, no entanto, que essas novas formas de montar planilhas de rentabilidade são possíveis, não vão encarecer o produto final e são viáveis.

Folha - Como o senhor acha que a cidade vai estar daqui a dez anos?
Wilheim -
Vamos ter duas novas linhas do metrô. Teremos o trem para Guarulhos. No centro, muitos prédios ocupados para moradia de classe média e por habitação popular. Também deveremos ter a região do Mercado Municipal refeita. Provavelmente teremos muitos conjuntos habitacionais no Jabaquara e em Americanópolis, além de um parque linear ao longo da avenida Água Espraiada. Teremos menos vôos em Congonhas. Vamos ter um ou dois vales urbanos com parques lineares e habitação em volta...

Folha - Os congestionamentos irão diminuir?
Wilheim -
Eles têm condições de diminuir um pouco porque algumas das vias -e estamos propondo 25 vias novas -tiram parte do tráfego de automóveis e de ônibus dos trechos principais.


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