São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

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ARQUEOLOGIA

Empreiteiras descobrem peças índigenas e do período colonial durante construção de estradas e de hidrelétricas

Grandes obras "desenterram" história paulista

DA REPORTAGEM LOCAL

A descoberta, há dois meses, de um sítio arqueológico de 16 mil m2 em Sorocaba, 100 km a oeste da capital, é o exemplo mais recente de um fenômeno que especialistas apelidaram de "época áurea da arqueologia brasileira".
Mantido em segredo, o sítio foi encontrado em uma obra da Viaoeste e repete a história da maioria dos cerca de cem descobertos no Estado neste ano.
A maioria das descobertas surge com o que o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Arqueológico Nacional) denomina "arqueologia de contrato". São achados patrocinados por empresas que executam obras de grande impacto ambiental, como estradas e usinas hidrelétricas.
"É um estado de efervescência. A demanda de descobertas, dependendo da região, vai além da capacidade de estudá-las a fundo", afirma o arqueólogo Rossano Lopes Bastos, 41, que assumiu, na última semana, em Brasília, a Coordenadoria Nacional de Arqueologia do Iphan, criada para organizar as descobertas.
Em 1986, o Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) baixou a resolução nš 1, que obrigava a apresentação de estudos ambientais antes da execução de grandes obras, inclusive a sondagem arqueológica. O procedimento foi regulamentado pela portaria nš 7, de 1988, do Iphan.
A legislação começou a surtir efeito na década de 90, quando, afirma Bastos, as grandes obras públicas retomaram o fôlego perdido nos anos 70.
Em 1993, a construção da rodovia Carvalho Pinto foi responsável pela descoberta de quatro sítios apenas na cidade de Caçapava, 112 km a nordeste da capital. No local, foram resgatadas peças de cerâmica indígena e colonial.
Com isso, mudou o perfil dos arqueólogos brasileiros. "Está acabando o exotismo da profissão", diz a arqueóloga Solange Caldarelli, doutora pela Universidade de São Paulo que montou uma empresa de consultoria especializada. "O lamentável é que a arqueologia acadêmica não tem sobrevivido paralelamente."

Cacos de cerâmica
O sítio arqueológico de Sorocaba foi descoberto durante as obras de construção da estrada de ligação das rodovias José Ermírio de Moraes, conhecida como Castelinho, e Raposo Tavares. No traçado de 6,8 km da via, a área ocupa cerca de cem metros de extensão e fica em terras desapropriadas do empresário Mário Amato, ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado (Fiesp).
Segundo o engenheiro Gustavo Loiola Ferreira, 30, da Viaoeste, como o local -o bairro Aparecidinha- é cercado de pontos históricos, a descoberta era previsível. "Havia cacos de cerâmica quase na superfície. As peças foram encontradas assim que o terreno foi limpo", conta Ferreira.
No sítio, foram resgatadas partes de cerâmica histórica, que, possivelmente, são do período colonial, entre os séculos 16 e 18. Nesse período, Sorocaba foi uma importante rota de bandeirantes e tropeiros. A descoberta não deverá atrasar as obras, segundo o engenheiro. "Podemos executar outros trechos da estrada enquanto o material é resgatado", afirma.
Conforme determinação do Iphan, a empresa tem de se responsabilizar pelo resgate do material histórico, o que, por causa do tamanho do sítio, exigirá equipe de 20 pessoas e prazo que deverá variar de 60 a 90 dias.
A Viaoeste tem plano próprio de gestão ambiental, o que torna atividades como essa parte da rotina da concessionária, previstas, inclusive, no orçamento das obras. A empresa fará do resgate das peças um acontecimento histórico em Sorocaba, com a participação de estudantes e da equipe do Museu Histórico Sorocabano, destino final do material.
Segundo a arqueóloga Lúcia Cardoso de Oliveira Juliani, que coordenou os trabalhos em campo, está descartada, por enquanto, a hipótese de que os pedaços de cerâmica sejam indígenas.
"Entre as peças, foi encontrada uma alça. As cerâmicas fabricadas pelos índios não tinham esse detalhe. Por outro lado, não foram achadas louças, que são artigos mais modernos", afirma Lúcia.
A expectativa é de retirar "centenas de peças históricas". Caso contrário, a região nem seria declarada sítio arqueológico. "As peças são importantes para estudar as relações sociais da época, dos povos que fizeram o país", diz. (SÉRGIO DURAN)


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