São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SAÚDE

Abuso de "gotinhas" pode ser perigoso

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Aquelas gotinhas para desentupir o nariz, que todo mundo já usou durante um resfriado, podem virar um vício perigoso para a saúde se houver abuso. Para largar a mania, pacientes já procuraram até psiquiatras. Outros precisaram de preparação especial para enfrentar a primeira noite sem o descongestionante nasal.
Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia, Luc Maurice Weckz, esses remédios, quando contêm substâncias que contraem os vasos, devem ser utilizados por, no máximo, cinco dias.
"Passado esse período, eles podem acarretar uma rinite [inflamação das mucosas nasais" medicamentosa, crônica, e levar à dependência. É muito sério", afirma.
A ação desses medicamentos se dá sobre os cornetos ou conchas, estruturas do nariz que incham e desincham sob um estímulo (veja quadro). Há três cornetos em cada lado do nariz.
Esses descongestionantes nasais causam a constrição dessas estruturas, permitindo que haja mais espaço para a passagem do ar.
O uso, geralmente, é feito por quem tem um quadro de rinite alérgica ou está gripado.
Nesses casos, os cornetos ficam inchados e o uso dos descongestionantes alivia. O problema, diz Weckz, é que após quatro horas, ocorre o chamado "efeito rebote". Os cornetos voltam a se dilatar. Com o abuso, a vasodilatação é cada vez maior, muda o ritmo natural de enchimento e esvaziamento das conchas nasais e o nariz fica cada vez mais obstruído.
O remédio passa também a atacar o revestimento do nariz, destruindo os cílios e atrapalhando a produção do muco gelatinoso, que servem como barreira de proteção. Eles aquecem o ar que vai para o pulmão e varrem impurezas para a garganta e o estômago.
Por fim, as gotinhas nasais usadas em demasia podem piorar o problema inicial ou causar o quadro de rinite medicamentosa, que se mantém enquanto houver o uso da droga.
Algumas pessoas precisam de cirurgia para diminuir os cornetos e voltar a respirar normalmente pelo nariz.
De acordo com o chefe da clínica de Otorrinopediatria do Hospital São Paulo, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Reginaldo Raimundo Fujita, o abuso dos remédios, por sua ação vasoconstritora, pode causar arritmia cardíaca e aumentar a pressão arterial principalmente em idosos, faixa etária que abusa bastante dessas drogas. Em crianças, pode causar convulsões. "Algumas pessoas usam como se fosse uma medicação inócua", diz.
Não há dados sobre o abuso desse tipo de remédio, mas Weckz calcula que receba no mínimo um paciente por dia dependente das gotinhas. "É um alerta para clínicos e pediatras. Quando vão fazer o histórico do nariz entupido, devem perguntar se a pessoa não faz o uso da gotinha."
O primeiro dia, especialmente a primeira noite, sem os descongestionantes é difícil, afirma Weckz. Para ele, a receita para largar o vício é composta de "70% de força de vontade e 30% de orientação e uso de alguns medicamentos". Antialérgicos e antiinflamatórios são aplicados no tratamento.
O otorrinolaringologista recomenda a seus pacientes que durmam sentados, comprem um bom livro ou aluguem um vídeo para "desmaiar" de sono e aguentar a primeira noite. "Na terceira noite não é necessário tanto."
Já o otorrinolaringologista José Eduardo Lutaif Dolci, professor-adjunto da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, prefere que o corte seja brusco.


Texto Anterior: Arqueologia: Grandes obras "desenterram" história paulista
Próximo Texto: "Não vivia mais sem o remédio", diz jovem
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.