São Paulo, terça-feira, 02 de dezembro de 2008

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CECILIA GIANNETTI

O mapa da solidão (grupal e bem nutrida):


Sim: voltar de táxi também, pois a solidão oferece uma companhia de legiões de predadores e de inseguranças

PARA QUAISQUER DOS DESTINOS abaixo listados e outros que porventura os senhores escolham à revelia do Plano, sigam as instruções:
Tomem um táxi na ida -garantia de que não serão achacados por guardadores oficiais ou oficiosos (estes, depostos por nova lei capenga que os proíbe de "guardar" nossos carros e cobrar por isso). Tomem um táxi, também cambaleante, na volta. Madrugadeiro e perigoso pode ser o retorno, se analisado sob a insígnia dos piores pesadelos, e, conforme o que os mais indesejáveis boletins especiais dos telejornais nos fazem crer, infelizmente nem sempre sem leviandade no alarde que empregam ao informar a virada de uma carreta, um incêndio de peito gamado não correspondido, as Bolsas em declínio, as férias antecipadas de Bush enquanto o pau come e a nau segue à deriva.
Se liga, o bagulho é doido e ninguém duvida.
Prossigamos: o Plano! O Plano dos Solitários de Carteira Bem Fornida. Onde foi que parei? Sim: voltar de táxi também, pois a solidão oferece uma companhia de legiões de predadores e de inseguranças internas e externas; verdadeiras, falsas, bastardas companhias que trazem consigo e para vocês perigos reais. Ou facilitam tal freqüência de paranóia urbana capaz de fazer reais insensatos delírios e inculcações no preto e branco do Cotidiano da Folha. E só.
Só, como ontem, no Baixo LebRoNX. De pé, um casal amigo, mais um amigo-amigo (apenas amigo; quantos amigos cabem num coração? Diabos, alguns descem ao ventre por falta de espaço lá em cima!), bem, esperávamos uma mesa para tomar o último chope da madrugada, pois dali a menos de 40 minutos a manhã oficialmente varreria todos os bêbados das mesas e calçadas (ou não) e nos faria sentir, com pesar, os gastos em chopes que poderiam muito bem ter sido revertidos em prol de desgraças locais no Sul ou estrangeiras, enchentes e corações partidos (lembrete: os menos verdadeiros em questão de amor não correspondido têm o poder de trocar a dor por um par de tênis caros, perfume idem etc.).
Chope, aquele nosso, que poderia ter sido revertido em tratamentos dentários de crianças carentes ou o meu próprio tratamento dentário, do qual fugi como um autêntico "mancunian", inglês de piada da famosa Manchester de dentes podres. Não que eu acredite na generalização fabulesca, mas tenho tremenda fé nas profecias de minha ex-dentista.
Ah, noites solitárias cheias de companhias distraídas. O táxi de volta para casa traz a culpa na carona. E é até condenável sentir culpa por se divertir e beber e comer e tudo o mais "inconseqüentemente" -criaram um nome para isto: culpa burguesa.
Divago. O que eu lhes contava é que esperávamos uma mesa, num bolo de gente que fazia o mesmo, sem fila nem organização. Eu e meus amigos, em meio à balbúrdia de uma das melhores pizzarias do Rio de Janeiro, onde a juventude Hollywoodiana ("hello", Projac!) desfila suprindo calorias que lhes faltam e descolando coisas que um dia a levará à Betty Ford local.
Aí um sujeito que tinha os dois braços tatuados e um colar de havaiana me olhou e disse:
"Vocês! É difícil encontrar gente com uma energia boa aqui! E eu só dou a minha mesa pra pessoas com uma energia realmente boa. A mesa é sua."
A conta dos caras estava paga, eles se levantaram, elogiei o colar de havaiana do benfeitor e comecei a olhar em volta, em torno de toda aquela solidão a dois, a três, a mil -e pensar: "Precisamos achar alguém com uma boa energia para ficar com nossa mesa quando a gente acabar".


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