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LETRAS JURÍDICAS
O Ministério Público e a investigação policial
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Nenhum órgão ou instituição teve acrescidos
tantos poderes e atribuições interventivas na sociedade em 1988
quanto o Ministério Público. Foi
uma justa homenagem aos bons
serviços prestados em sua história. Todavia, como é freqüente, os
muitos poderes geraram conseqüências prejudiciais para a instituição. "Estrelismo", "declaracionismo" e "televisismo" substituíram mais de uma vez, incentivados pela mídia, o diligente trabalho de produzir provas aptas à
realização dos fins importantíssimos aos quais o Ministério Público se destina. Os chamados "promotores da mídia" (os que trocam manchetes por furos) já mostraram alguns inconvenientes dos
poderes do Ministério Público
quando exorbitados.
Com essa convicção, tenho dito
a amigos do Ministério Público
que o atual movimento pela
maior intervenção do órgão nas
investigações criminais redundará em grave dano para o próprio
Ministério Público. Deveres e responsabilidades ampliados, sem
quadros suficientes, não favorecerão o trabalho qualificado. Facilitarão o "estrelato". Os resultados
obtidos pelos promotores e procuradores de Justiça demonstram
que a instituição não carece de
mais poderes para ser eficaz. Silenciosamente eficaz.
A campanha atual, se vitoriosa,
terá subproduto inevitável em
um segundo momento: a vinculação das atividades de polícia judiciária ao Ministério Público. É
evidente que a questão compreende alternativas mais amplas
e mais complexas, mas essa anotação é suficiente. Pense o leitor
que o Ministério Público é o órgão
encarregado de acusação. Quando os elementos fornecidos pelos
delegados no inquérito policial
não são suficientes, novas diligências genéricas ou específicas sempre podem ser requeridas pelo
promotor ao juiz encarregado do
processo. Raramente são indeferidas. O Ministério Público já tem,
na Constituição, o poder de "requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito
policial" (artigo 129, inciso VIII).
Uma das críticas contra a ampliação de poderes decorre da impropriedade de capacitar o mesmo órgão autor do inquérito (isto
é, a apuração preliminar dos fatos) para funcionar como acusador dos investigados. O direito
constitucional da ampla defesa e
do contraditório ficará prejudicado. A imparcialidade não é um
dado etéreo, filosófico, alheio à
natureza humana. Se a parte pode, contra o juiz, pedir seu afastamento, dizendo-o suspeito, imagine-se como se porá em dúvida a
imparcialidade dos promotores
que forem, ao mesmo tempo, encarregados do inquérito e acusadores dos investigados.
O limite constitucional da ação
do Ministério Público está no inciso VII do mesmo artigo 129,
consistente em "exercer o controle
externo de atividade policial...".
Controle necessário, útil, mas externo, sem substituir a própria
ação policial. Essa garantia da
defesa representa elemento essencial para a preservação dos inocentes e até para possibilitar a investigação séria, feita para suprir
o processo de todos os elementos
imprescindíveis à prova dos fatos.
Para quem quiser aprofundar o
estudo, sugiro a leitura do livro
"Acesso à Justiça Penal e Estado
Democrático de Direito" (Editora
Juarez de Oliveira), de Marco Antônio Marques da Silva, e, desse
autor, na qualidade de relator, do
seu voto recente no habeas corpus
nš 440.810-3/7-00, de Campinas,
no Tribunal de Justiça de
São Paulo.
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