São Paulo, sábado, 03 de julho de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

O Ministério Público e a investigação policial

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Nenhum órgão ou instituição teve acrescidos tantos poderes e atribuições interventivas na sociedade em 1988 quanto o Ministério Público. Foi uma justa homenagem aos bons serviços prestados em sua história. Todavia, como é freqüente, os muitos poderes geraram conseqüências prejudiciais para a instituição. "Estrelismo", "declaracionismo" e "televisismo" substituíram mais de uma vez, incentivados pela mídia, o diligente trabalho de produzir provas aptas à realização dos fins importantíssimos aos quais o Ministério Público se destina. Os chamados "promotores da mídia" (os que trocam manchetes por furos) já mostraram alguns inconvenientes dos poderes do Ministério Público quando exorbitados.
Com essa convicção, tenho dito a amigos do Ministério Público que o atual movimento pela maior intervenção do órgão nas investigações criminais redundará em grave dano para o próprio Ministério Público. Deveres e responsabilidades ampliados, sem quadros suficientes, não favorecerão o trabalho qualificado. Facilitarão o "estrelato". Os resultados obtidos pelos promotores e procuradores de Justiça demonstram que a instituição não carece de mais poderes para ser eficaz. Silenciosamente eficaz.
A campanha atual, se vitoriosa, terá subproduto inevitável em um segundo momento: a vinculação das atividades de polícia judiciária ao Ministério Público. É evidente que a questão compreende alternativas mais amplas e mais complexas, mas essa anotação é suficiente. Pense o leitor que o Ministério Público é o órgão encarregado de acusação. Quando os elementos fornecidos pelos delegados no inquérito policial não são suficientes, novas diligências genéricas ou específicas sempre podem ser requeridas pelo promotor ao juiz encarregado do processo. Raramente são indeferidas. O Ministério Público já tem, na Constituição, o poder de "requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial" (artigo 129, inciso VIII).
Uma das críticas contra a ampliação de poderes decorre da impropriedade de capacitar o mesmo órgão autor do inquérito (isto é, a apuração preliminar dos fatos) para funcionar como acusador dos investigados. O direito constitucional da ampla defesa e do contraditório ficará prejudicado. A imparcialidade não é um dado etéreo, filosófico, alheio à natureza humana. Se a parte pode, contra o juiz, pedir seu afastamento, dizendo-o suspeito, imagine-se como se porá em dúvida a imparcialidade dos promotores que forem, ao mesmo tempo, encarregados do inquérito e acusadores dos investigados.
O limite constitucional da ação do Ministério Público está no inciso VII do mesmo artigo 129, consistente em "exercer o controle externo de atividade policial...". Controle necessário, útil, mas externo, sem substituir a própria ação policial. Essa garantia da defesa representa elemento essencial para a preservação dos inocentes e até para possibilitar a investigação séria, feita para suprir o processo de todos os elementos imprescindíveis à prova dos fatos.
Para quem quiser aprofundar o estudo, sugiro a leitura do livro "Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito" (Editora Juarez de Oliveira), de Marco Antônio Marques da Silva, e, desse autor, na qualidade de relator, do seu voto recente no habeas corpus nš 440.810-3/7-00, de Campinas, no Tribunal de Justiça de São Paulo.


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