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DATA VENIA
Prostituição infantil
SILVIA PIMENTEL
Ante o aumento da prostituição
infantil em nosso país, apontada
pela ONU como uma das maiores
do mundo, nossa primeira reação
é de perplexidade e lástima, ainda
maiores quando constatamos que
ela costuma estar associada à miséria e à fome. Dada a complexidade deste mundo globalizado, muitos vêem essa realidade (o que é
absolutamente inaceitável) como
fatalidade, alegando a impossibilidade de agir contra essa cruel distorção de sexualidade e poder.
Mas importa indagar o que se
pode fazer; o que o Estado e a sociedade civil podem criar como estratégias para sua superação.
A imprensa tem feito sua parte,
denunciando. Na pesquisa "Olhar
sobre a Mídia", promovida pela
Comissão de Cidadania e Reprodução, fica evidente a crescente
atenção da mídia ao abuso sexual e
à prostituição de crianças e adolescentes. Há todo um empenho
do governo federal, pela Secretaria
de Direitos Humanos e pelo Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher, na sua erradicação.
Porém muito mais é necessário,
já que participam dessa infâmia
amplos setores da sociedade, inclusive pessoas instruídas. A Folha de 20/8, em texto intitulado
"Goiânia denuncia rede de 700
meninas prostitutas", refere-se a
leilões e bingos de virgens entre 9 e
14 anos. São garotas pobres da periferia de Goiânia e do interior de
Goiás, que fazem "programas"
com preços de R$ 2 a R$ 5.000
-nesse caso, "pacotes" de uma
semana com virgens, obtidos em
leilões e bingos de luxo.
Em face dessa verdadeira miséria da condição humana, vale a pena recordar alguns avanços da
principiologia dos direitos humanos. São direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais;
caracterizam-se por universalidade, indivisibilidade (não havendo
hierarquia) e interdependência (se
um direito é violado, todos são).
A violência contra a mulher é
uma agressão aos direitos humanos -física, sexual e psicológica.
A criança deve crescer num ambiente familiar, em clima de amor
e paz, ser preparada plenamente
para uma vida individual na sociedade e educada no espírito dos
ideais proclamados na Carta das
Nações Unidas -em particular,
paz, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade.
A experiência do movimento de
mulheres colocou às claras direitos articulados não só no espaço
público, mas vivenciados nos diferentes planos da vida cotidiana,
ressaltando o espaço privado. O
problema da violência doméstica
contra a mulher e a criança só passou a ter visibilidade nos anos 60.
Até então, não havia nenhum serviço para atender as vítimas, e as
punições eram raras, mesmo nos
países industrializados.
Estamos apenas iniciando um
processo de sensibilização e conscientização social dessa problemática. Políticas públicas e ações concretas em todas as instâncias governamentais (federal, estaduais e
municipais) e nos três Poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário) são necessárias, mas não bastam: é imprescindível que segmentos organizados da sociedade
encontrem sua forma de agir e interferir nesse processo. E que ninguém se conduza como agente
perpetrador dessas iniquidades.
São utópicas estas linhas? Pois
que sejam. Sem utopia, não há
mudança; sem transformações rumo aos direitos humanos de todos
e todas, ficaremos neste estágio
desumano da humanidade, no
qual a barbárie é a grande tônica.
Silvia Pimentel, 58, é professora de filosofia do
direito na PUC-SP, coordenadora nacional do
Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, membro do conselho diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e conselheira do Conselho Estadual da
Condição Feminina de São Paulo
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