São Paulo, sábado, 3 de outubro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

Tropeços eleitorais

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

O direito eleitoral brasileiro parece caminhar para uma certa estabilidade, embora leis específicas sejam necessárias a cada pleito. Há diferentes dramas perseguindo o imaginário do eleitor, como o da influência das pesquisas, da interferência de poder econômico, das fraudes eleitorais (mortos que votam, listas de apuração adulteradas, currais eleitorais, por exemplo) sem falar na permanente infidelidade partidária. Para esses males, as prateleiras da farmácia jurídica estão vazias. Ou quase.
Antes de votar, o eleitor deve meditar sobre a finalidade do sufrágio, avaliando, mais que informações distorcidas e exageros propagandísticos, a vida pregressa do candidato. A legislação eleitoral brasileira, mudando ano após ano, tende a não ser confiável. Os grandes vícios (mortos que votam, por exemplo) continuam pululantes. Entre eles, o caso mais expressivo é o do financiamento das campanhas, provocadoras de acusações pesadas, cuja apuração, a não ser na eleição do ex-presidente Collor, sempre deu em nada. Ou quase nada. O fracasso punitivo não significou que as outras campanhas, antes e depois de Collor, fossem exemplo de pureza eleitoral.
O pleito eleitoral de amanhã assinala uma certa evolução histórica, porque a lei atual, embora ainda marcada por soluções casuísticas, de curta duração, tentou determinar regras providas de permanência, cujos efeitos se estenderão nos anos futuros. Devemos parar com o casuísmo. As leis eleitorais precisam ser, além de estáveis, necessariamente severas, para impedirem manobras escusas. A realização da vontade do povo há de ser manifestada por meio do processo justo, mas tem sido distorcida pelo político transformado em produto, em pleitos recentes. Produto -igual ao Bombril ou a Coca-Cola- "vendido" pela mídia eletrônica, por meio do trabalho de marqueteiros, aos quais cabe a decisão do que o candidato deve fazer ou dizer e do que não deve fazer e muito menos dizer.
O produto homem-político projeta candidatos hábeis em disfarçar o que são, para mostrarem qualidades que não têm. Podem ter esse comportamento porque não há limite legal para a liberdade da informação transmitida. Informação, não. Propaganda de tipo comercial, criada pelos técnicos em eleições. O Código de Defesa do Consumidor proíbe a publicidade enganosa ou abusiva no direito privado. Isso não existe na prática política. Ao contrário. Está cada vez mais presente a força do velhíssimo provérbio segundo o qual na política e na guerra, mentira como terra. Apesar de todos os defeitos, ainda assim é melhor manter a liberdade, para que a sociedade crie hábito de selecionar bem.
Se o leitor perguntar se há modo de impedir o acesso dos mentirosos ao certame eleitoral, a resposta é não. Fanfarrões, contadores de vantagens, prometedores de mundos e fundos, exploradores dos mais pobres, que vão da mentira deslavada ao "rouba, mas faz", reclamam atenção do eleitor, na hora de votar, para não ser enganado. A superação dos males eleitorais demora. Jamais será definitiva, mas melhorará muito quando nos livrarmos de séculos de maus hábitos políticos, garantindo que o sufrágio seja dado com a consciência de sua importância para o aprimoramento do processo.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.