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Morar sem infra-estrutura aumenta chance de ser morto
OTÁVIO CABRAL
da Reportagem Local
Ricardo Francisco de Almeida
foi assassinado aos 16 anos na favela da Vila Prudente (zona leste
de São Paulo). Teve o mesmo destino de seu pai e de seu irmão
mais velho, que também passaram a vida em barracos e morreram baleados na mesma favela.
A história da família Almeida é
um exemplo de que morar mal,
em favelas e cortiços insalubres e
sem infra-estrutura, muitas vezes
determina a causa da morte que
aparecerá no atestado de óbito do
cidadão: homicídio. É o que revelam três pesquisas feitas por urbanistas e conseguidas com exclusividade pela Folha. Não se pode levar a conclusão como regra geral.
Mas quem vive mal tem muito
mais chance de ser assassinado do
que quem mora em locais com
boas condições urbanas.
"A violência está diretamente ligada ao problema de moradia",
afirma a arquiteta Raquel Rolnik,
professora da PUC-Campinas e
diretora-técnica do Instituto Polis, uma organização não-governamental voltada ao estudo de
problemas urbanos. "A exclusão
territorial faz indivíduos, famílias
e comunidades particularmente
vulneráveis, abrindo espaço para
a violência e o conflito", explica.
Raquel é autora da pesquisa
"Exclusão Territorial e Violência
no Estado de São Paulo", que relaciona numericamente os índices
de violência urbana com condições de moradia precária.
A pesquisa abordou 118 municípios com mais de 20 mil moradores no Estado e as porcentagens
das casas com infra-estrutura básica completa. Como condições
básicas, ela considerou fornecimento de água, luz, esgoto, iluminação, pavimentação, coleta de lixo, o material de que é feito a casa,
se ela conta com banheiro e o número de habitantes por cômodo.
Com os dados, Raquel montou
um índice de exclusão social, expresso pela porcentagem de domicílios em situação adequada.
Em seguida, ela cruzou esse índice com o número de homicídios a
cada 100 mil habitantes. "O resultado é claro: quanto mais exclusão social, mais violência", conclui Raquel Rolnik.
Entre os 28 municípios com
pior situação de moradia, 25 possuem os piores indicadores de
violência. O oposto também é
verdadeiro. Entre as 21 cidades
em melhor situação de habitação,
14 são as menos violentas.
Exemplos não faltam. Embu-Guaçu, na Grande SP, é a cidade
com pior situação de moradia do
Estado, com apenas 1,3% das casas em situação adequada. É também a sétima cidade mais violenta, com 63,69 homicídios por 100
mil habitantes. No extremo oposto, pode ser destacado Catanduva, município com 105 mil habitantes, que tem 66% dos domicílios em boas condições e registrou
apenas dois homicídios no ano
passado, a menor taxa do Estado.
A cidade de São Paulo está em
um ponto intermediário na tabela. Tem pouco mais da metade
das casas em situação adequada.
E está em nono lugar no ranking
de homicídios. Mas, devido ao tamanho da cidade, há duas situações distintas. É o que mostram
outros dois estudos.
Um deles, coordenado pela professora Sueli Schiffer, do Departamento de Tecnologia da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de
São Paulo), relaciona o mapa de
homicídios da capital com a distribuição de renda média e o número de pessoas por cômodo em
cada domicílio. "As áreas de
maior renda têm menos homicídios. E quanto maior o número de
pessoas por cômodo no bairro,
mais violento ele é", relata Sueli.
O outro levantamento sobre a
capital é chamado "Crescimento
Urbano e Violência", de autoria
da arquiteta Maria Ruth Amaral
de Sampaio, diretora da FAU.
Ela relaciona o crescimento urbano com violência. Apesar de a
população da cidade ficar estável
nos últimos anos, regiões como
Brasilândia, Guaianases e Jardim
Ângela registram crescimento de
até 4% ao ano. É justamente nessas regiões que ocorre o maior
crescimento da violência.
Abandono
Especialistas em violência concordam que condições precárias
de habitação estão relacionadas
com a criminalidade, mas culpam
a ausência de políticas públicas
para essas regiões para a proliferação da violência.
"Nesses centros urbanos recém-ocupados não há oferta de
emprego nem opções de lazer. As
pessoas desempregadas passam o
dia vagando pelas ruas e acabam
bebendo ou sendo cooptadas pelo
tráfico de drogas, o que fomenta o
crime", afirma o sociólogo Paulo
Sérgio Pinheiro, coordenador do
Núcleo de Estudos da Violência.
O sociólogo mexicano Rafael
Ruiz Aharrel, que fez um estudo
relacionando moradia e violência
na Cidade do México, considera
que um grande agrupamento humano em um pequeno espaço,
como em favelas e cortiços, é um
fator que favorece a proliferação
da criminalidade, principalmente
dos crimes contra a pessoa.
"Quando se multiplica o número de pessoas que vive em uma
área, os conflitos e os crimes aumentam na mesma proporção.
Isso é uma consequência direta da
aglomeração e da falta de privacidade", argumenta Aharrel, baseado na conclusão de seu estudo.
A falta de privacidade também é
o argumento usado pela socióloga Nanci Cardia, do Núcleo de Estudos da Violência. "A vida na favela é insalubre, as famílias vivem
sem privacidade, o esgoto de um
invade o barraco do outro. Tudo
isso gera violência. As pessoas vivem às próprias custas, sem auxílio do poder público, tudo é decidido no livre-arbítrio", teoriza.
Mulheres
Já Maria Ruth, da FAU, destaca
outro aspecto que fomenta a violência nas favelas. Segundo ela,
nesses locais, cerca de 25% das famílias são chefiadas por mulheres
viúvas ou separadas, que cuidam
sozinhas dos filhos e da casa e ainda trabalham fora. "As crianças
passam os dias sozinhas em casa,
tornando-se vítimas potenciais
dos traficantes de drogas e quadrilhas de assaltantes", analisa
Maria Ruth.
Para mudar esse quadro, o principal meio é o investimento público em infra-estrutura e reurbanização de favelas e cortiços.
Um bom exemplo é o caso de
Diadema (Grande SP), o local
mais violento do Estado e do país,
com 140 homicídios a cada 100
mil habitantes.
Mas, em 1983, a prefeitura, administrada pelo PT, passou a investir até 8% do Orçamento municipal anual em reurbanização
de favelas. Até 1996, 121 das 197 favelas existentes na cidade foram
recuperadas, com asfalto, iluminação pública e rede de esgoto.
A cidade chegou a ter mais de
90% das casas inadequadas. Hoje,
o índice está em 31,8%. Com o investimento em infra-estrutura, a
criminalidade caiu. Em 95 e 96, a
cidade perdeu o título de mais
violenta do Estado para Embu.
"A principal preocupação da
prefeitura era investir em urbanização para dar condições melhores de vida, de educação e saúde
para a população favelada", afirma o deputado estadual José de
Filippi Júnior (PT), prefeito de
Diadema entre 93 e 96. "Mas, diretamente, houve uma redução
dos níveis de criminalidade, mostrando que os dois problemas estão relacionados."
Desde 97, com a mudança de
comando no governo municipal,
o investimento em reurbanização
caiu para 2% do Orçamento. Diadema voltou a ser a mais violenta
de São Paulo. O atual prefeito, Gilson Menezes (PSB), não quis dar
entrevistas sobre o assunto.
Heliópolis
Outro exemplo dos efeitos da
urbanização é a favela de Heliópolis, a maior de São Paulo, com
80 mil habitantes. Uma parte da
favela está urbanizada e tem um
crescimento menor. Outra, composta de barracos à beira de córregos, não pára de crescer. Consequência: a violência se concentra
onde não há urbanização, onde a
condição de vida é pior.
A empregada doméstica Maria
José Oliveira conta uma história
que exemplifica a teoria. Seu filho
mais velho, Valdeci, morou até
1996 com a família, em uma casa
de alvenaria na parte urbanizada
de Heliópolis, com asfalto, coleta
de lixo, iluminação pública, água
e esgoto. Trabalhava e nunca havia sido preso.
No final de 96, após o casamento, mudou-se para um barraco às
margens de um córrego, também
em Heliópolis. Envolveu-se com
o tráfico de drogas, deixou o trabalho, foi preso duas vezes. Acabou assassinado com dois tiros
quando saía de casa. "Briguei para ele não ir morar no barraco. Sabia que não iria dar certo. Na favela, não tem lei", desabafa Maria
José.
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