São Paulo, Quarta-feira, 03 de Novembro de 1999
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Cortiços e favelas abrigam 25% dos moradores de SP

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Família em quarto de cortiço da al. Nothmann, em Campos Elíseos, onde vivem mais de 150 famílias


da Reportagem Local



O desempregado Aílton José da Silva, 31, natural de Timbaúba (PE), chegou a São Paulo há três anos. Analfabeto e sem qualificação profissional, nunca conseguiu emprego fixo e vive de bicos.
Sem opções, mora em um cortiço invadido, onde divide um quarto de menos de nove metros quadrados com a mulher e seis filhos. Há apenas uma cama. O cômodo ao lado serve de banheiro e cozinha. O vaso sanitário e a pia de cozinha dividem o mesmo encanamento. É normal um dos filhos do casal utilizar o banheiro enquanto a mãe cozinha.
"Aqui é ruim, mas é melhor que no sertão. A comida que a gente acha no lixo é melhor do que a que os ricos da minha cidade comem", desabafa Aílton.
A situação de Aílton não é uma exceção na cidade. Um quarto da população de São Paulo vive em cortiços e favelas com estrutura tão precária quanto o local onde Aílton mora, em um antigo cinema na Mooca (região central).
O dado é fornecido pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) da Universidade de São Paulo. A fundação está atualizando este ano a última pesquisa sobre o assunto, feita em 1991. Pelos dados iniciais, o pesquisador Alair Molina, um dos coordenadores do levantamento, acredita que a porcentagem será mantida.
Baseado nos dados da pesquisa e na opinião de especialistas em habitação, é possível dizer que os cortiços têm infra-estrutura melhor que as favelas, como energia elétrica, água e esgoto.
Mas a ocupação populacional é maior nos cortiços, o que, aliado ao fato de a maioria ser invadido por várias famílias, torna a condição de vida nesses locais mais insalubre. Principalmente nos grandes cortiços, resultado de invasão em prédios antigos, onde é comum viver mais de 50 famílias.
O levantamento de 1991 mostrou que havia na cidade de São Paulo 23.688 cortiços, que abrigavam 595.110 pessoas, o que correspondia a 6% da população da cidade à época.
Já a população favelada era composta de 1.901.892 pessoas. O número representa 19% da população paulistana de então.
O levantamento da Fipe mostra um perfil semelhante entre os moradores de favela e de cortiço. Nos dois casos, a maioria é constituída de homens, casados e vindos de Estados do Nordeste, principalmente a Bahia.
A promiscuidade, a falta de privacidade e o grande número de famílias desconhecidas dividindo a mesma casa gera uma situação de tensão nos cortiços que muitas vezes leva à violência.
A opinião é de Helene Afanasieffi, coordenadora de cortiços da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano), agência estadual paulistana para a habitação popular.
"O crime se abriga em situações clandestinas e não resolvidas, como é o caso dos cortiços e favelas", opina Helene. "Morar em um lugar sem privacidade, sempre com risco de vida, torna a situação explosiva. Uma briga pode começar porque uma criança chutou uma bola na porta de um vizinho de cortiço."
Helene coordena um programa do governo do Estado de São Paulo, em convênio com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que pretende investir US$ 233 milhões em quatro anos em recuperação de cortiços na Grande São Paulo.
O alvo inicial do programa habitacional são dois cortiços invadidos, um na Mooca, onde vive a família de Aílton, e um em Campos Elíseos (ambos na região central da cidade), que reúnem juntos mais de 250 famílias.
A própria coordenadora do Movimento dos Moradores de Cortiço e Sem-Teto de São Paulo, Verônica Kroll, admite que a situação nos dois locais é "insustentável". "Esses dois cortiços são os piores lugares de São Paulo. Há muita gente morando num espaço muito pequeno e acaba sendo comum cenas de violência", afirma Verônica Kroll.
Aílton comprova na pele a teoria: "Aqui é o inferno. Mas quem não tem dinheiro, não tem escolha, tem que viver no inferno".
(OTÁVIO CABRAL)


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