São Paulo, quinta, 3 de dezembro de 1998

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OPINIÃO

O Ministério das Cidades

MIGUEL JORGE

Na reforma ministerial em discussão no governo, que prevê a criação de novas pastas para a Produção, a Defesa e talvez a Infra-Estrutura, fala-se também num Ministério do Desenvolvimento Urbano, cuja missão seria reformular, regulamentar e executar programas de habitação, saneamento e transporte. Como a urbanização é um processo econômico e social que atinge as cidades como um todo, cabem aqui algumas questões: ela deveria ser regulada por um novo ministério que tratasse apenas dos problemas ligados à dimensão urbana?
Como livrar as grandes cidades brasileiras da criminalidade, do mau uso da terra, da falência do transporte coletivo, da poluição de todo tipo e de outros males se até hoje as ações do Estado para torná-las mais humanas têm sido, no mínimo, desastrosas? Se o objetivo é renovar as cidades, melhorar sua qualidade de vida, produzir mais receita para serviços municipais em completa inanição, gerando mais empregos, moradias e transporte, a solução seria mesmo criar um novo ministério?
O assunto é ótimo para a discussão das autoridades, cuja idéia seria incorporar à pasta órgãos especializados em questões habitacionais e de desenvolvimento urbano, hoje subordinados a outros ministérios (caso da Secretaria de Políticas Urbanas, ligada ao Planejamento). Segundo alguns ministros que acompanham as discussões sobre a reforma ministerial, a Caixa Econômica Federal, hoje ligada ao Ministério da Fazenda, seria incorporada ao novo Ministério do Desenvolvimento Urbano.
Os debates sobre a nova pasta teriam surgido com a constatação, nas últimas eleições, de que Estados e municípios pouco têm feito pela população mais pobre, já que o acesso a moradia, transporte, saúde etc. continua muito distante das pessoas de baixa renda. A partir daí, o governo federal teria se convencido, enfim, da importância das áreas metropolitanas na paisagem nacional e das relações estreitas que devem existir entre seus governantes e a Presidência.
A constatação até se justifica, a julgar pelo legado que o Estado brasileiro tem deixado às cidades -cortiços de alvenaria, que juntam um novo estigma à condição de pobre, quase nenhuma chance de emprego ou ocupação, atendimento hospitalar precário e transporte de massa insuficiente. Mas o que mais se questiona é como um novo ministério centralizaria as políticas que envolvem desenvolvimento urbano se os governos estaduais e as prefeituras têm outros interesses e prioridades.
Como um Ministério do Desenvolvimento Urbano poderia traçar uma estratégia urbana nacional e assumir seus poderes reguladores -o que exige firmeza e energia- se Estados, municípios e certos interesses privados não se preocuparem, por exemplo, com questões sociais ou ambientais? Ou por que programas de melhoria de transporte de massa, vitais para a qualidade de vida, têm suas obras paralisadas sem necessidade quando, se concluídos, poderiam impor mais ordem às cidades?
Todos esses aspectos precisam ser bem avaliados por nossos governantes, num momento em que a crise financeira global, que ainda nos ameaça, lança à falência até algumas das principais cidades do mundo, atingindo seus urbanistas de modo especial. A revista "Business Week" revelou, por exemplo, que os maiores centros urbanos do Japão -Tóquio, Kyoto, Osaka, Nagasaki, Akita e outros- estão falidos ou prestes a falir.
A sociedade brasileira, que aspira a bons lugares para viver na virada do milênio, precisa se organizar desde já (governo, trabalhadores e empresas) para melhorar a qualidade de vida das cidades, a qual não depende só da criação de mais um ministério. Depende, isso sim, de cada setor assumir o seu papel no desenvolvimento urbano, para que não tenhamos nas metrópoles brasileiras réplicas do filme "Blade Runner", que mostra que poucos têm condições de sobreviver numa megalópole sem alma, sem ordem e sem leis.


Miguel Jorge, 53, é jornalista e vice-presidente de Recursos Humanos e Assuntos Corporativos da Volkswagen do Brasil.



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