|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO
O Ministério das Cidades
MIGUEL JORGE
Na reforma ministerial em discussão no governo, que prevê a
criação de novas pastas para a
Produção, a Defesa e talvez a Infra-Estrutura, fala-se também
num Ministério do Desenvolvimento Urbano, cuja missão seria
reformular, regulamentar e executar programas de habitação, saneamento e transporte. Como a
urbanização é um processo econômico e social que atinge as cidades como um todo, cabem aqui algumas questões: ela deveria ser regulada por um novo ministério
que tratasse apenas dos problemas
ligados à dimensão urbana?
Como livrar as grandes cidades
brasileiras da criminalidade, do
mau uso da terra, da falência do
transporte coletivo, da poluição
de todo tipo e de outros males se
até hoje as ações do Estado para
torná-las mais humanas têm sido,
no mínimo, desastrosas? Se o objetivo é renovar as cidades, melhorar sua qualidade de vida, produzir mais receita para serviços municipais em completa inanição,
gerando mais empregos, moradias
e transporte, a solução seria mesmo criar um novo ministério?
O assunto é ótimo para a discussão das autoridades, cuja idéia seria incorporar à pasta órgãos especializados em questões habitacionais e de desenvolvimento urbano, hoje subordinados a outros
ministérios (caso da Secretaria de
Políticas Urbanas, ligada ao Planejamento). Segundo alguns ministros que acompanham as discussões sobre a reforma ministerial, a
Caixa Econômica Federal, hoje ligada ao Ministério da Fazenda, seria incorporada ao novo Ministério do Desenvolvimento Urbano.
Os debates sobre a nova pasta teriam surgido com a constatação,
nas últimas eleições, de que Estados e municípios pouco têm feito
pela população mais pobre, já que
o acesso a moradia, transporte,
saúde etc. continua muito distante
das pessoas de baixa renda. A partir daí, o governo federal teria se
convencido, enfim, da importância das áreas metropolitanas na
paisagem nacional e das relações
estreitas que devem existir entre
seus governantes e a Presidência.
A constatação até se justifica, a
julgar pelo legado que o Estado
brasileiro tem deixado às cidades
-cortiços de alvenaria, que juntam um novo estigma à condição
de pobre, quase nenhuma chance
de emprego ou ocupação, atendimento hospitalar precário e transporte de massa insuficiente. Mas o
que mais se questiona é como um
novo ministério centralizaria as
políticas que envolvem desenvolvimento urbano se os governos estaduais e as prefeituras têm outros
interesses e prioridades.
Como um Ministério do Desenvolvimento Urbano poderia traçar
uma estratégia urbana nacional e
assumir seus poderes reguladores
-o que exige firmeza e energia-
se Estados, municípios e certos interesses privados não se preocuparem, por exemplo, com questões
sociais ou ambientais? Ou por que
programas de melhoria de transporte de massa, vitais para a qualidade de vida, têm suas obras paralisadas sem necessidade quando,
se concluídos, poderiam impor
mais ordem às cidades?
Todos esses aspectos precisam
ser bem avaliados por nossos governantes, num momento em que
a crise financeira global, que ainda
nos ameaça, lança à falência até algumas das principais cidades do
mundo, atingindo seus urbanistas
de modo especial. A revista "Business Week" revelou, por exemplo, que os maiores centros urbanos do Japão -Tóquio, Kyoto,
Osaka, Nagasaki, Akita e outros-
estão falidos ou prestes a falir.
A sociedade brasileira, que aspira a bons lugares para viver na virada do milênio, precisa se organizar desde já (governo, trabalhadores e empresas) para melhorar a
qualidade de vida das cidades, a
qual não depende só da criação de
mais um ministério. Depende, isso
sim, de cada setor assumir o seu
papel no desenvolvimento urbano, para que não tenhamos nas
metrópoles brasileiras réplicas do
filme "Blade Runner", que mostra que poucos têm condições de
sobreviver numa megalópole sem
alma, sem ordem e sem leis.
Miguel Jorge, 53, é jornalista e vice-presidente
de Recursos Humanos e Assuntos Corporativos
da Volkswagen do Brasil.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|