São Paulo, domingo, 04 de março de 2001

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O PODER DO CRIME
Comércio de maconha, crack e cocaína chega a render R$ 2.000 por dia, afirma detento do Carandiru
Tráfico de drogas alimenta corrupção em presídios

ALESSANDRO SILVA
SERGIO DURAN

DA REPORTAGEM LOCAL

O tráfico de drogas é o "motor" da corrupção dentro das prisões de São Paulo, onde o PCC (Primeiro Comando da Capital) tem sua base de operações.
É como se a cadeia tivesse se tornado um morro do Rio de Janeiro, dominado por traficantes, que lidam com armas, fazem ""justiça" por conta e corrompem.
A Folha mapeou, a partir de conversas com presos, familiares e funcionários, como esse comércio funciona no complexo do Carandiru, zona norte de São Paulo, o maior do país, onde vivem cerca de 9.500 condenados.
Lá, um traficante afirmou que chega a faturar cerca de R$ 2.000 por dia vendendo drogas como maconha, crack e cocaína, pelo dobro do preço em relação ao que é cobrado do lado de fora.
"Aqui o maluco pode ganhar muito mais. Primeiro, porque a droga custa mais caro, e, segundo, porque aqui todo mundo já conhece o barato. Na cadeia, a fissura é muito maior", afirma S., 24.
Falando por celular, S. se apresentou como chefe do tráfico em um dos pavilhões da Penitenciária do Estado (que integra o complexo do Carandiru) e como membro do PCC. O traficante afirma entregar à facção parte do que arrecada.
O esquema para transportar a droga para dentro do presídio depende do pagamento de funcionários, de visitas e até de estranhos contratados nas ruas.
Os funcionários cobram, segundo presos, cerca de 10% do valor que será arrecadado com a droga.
Durante a semana, a polícia prendeu um rapaz de 15 anos que receberia R$ 100 para jogar, por cima do muro, para dentro do pavilhão oito da Casa de Detenção, uma sacola com maconha (20 saquinhos) e carregadores de bateria de celular.
S. disse à Folha que, até a megarrebelião do dia 18, seis gerentes dividiam a Penitenciária do Estado por áreas de atuação, que correspondem aos pavilhões
Hoje, a unidade tem cerca de 1.700 presidiários -800 a menos do que há duas semanas, por causa da série de transferências para desarticular a liderança do PCC.
Quando falou com a Folha, S., que cumpre pena por tráfico, estava ""chateado" porque seria transferido com os demais membros do PCC. Ele disse que deixaria na unidade cerca de R$ 10 mil em drogas estocadas.
Pelas regras da cadeia, seu substituto ficaria responsável por vender o produto e depositar o dinheiro na conta da sua mulher.
A maior apreensão de drogas feita este ano nos presídios de São Paulo levou à prisão o agente carcerário José Carlos Dias, 39, e uma parente de um dos presos da Casa de Detenção, a costureira Silvana Rita dos Santos, 30. Ela havia sido revistada por ele, mas acabou barrada, em uma nova inspeção surpresa, levando oito quilos de maconha e dois celulares.
"O sistema induz à corrupção porque o Estado paga um salário miserável", diz Nilson de Oliveira, presidente do sindicato dos funcionários do sistema prisional de São Paulo (Sifuspesp).
Para o sindicalista, os funcionários não podem ser os únicos alvos das suspeitas. "Em uma prisão como a Detenção, é um entra-e-sai de caminhões de abastecimento, de organizações não-governamentais, advogados e outros", afirma Oliveira.

Morte

Quem não faz parte do esquema corre até risco de morte. Segundo Julia, 30, mulher de detento do complexo, o preso que não consome drogas ou celulares acaba sendo visto como "laranjão". "São os primeiros a morrer."
No ano passado, houve 26 assassinatos no Carandiru. No último dia 16, uma revista na Casa de Detenção apreendeu um quilo de maconha e 300 pedras de crack, além de 793 facas improvisadas.



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