São Paulo, domingo, 04 de março de 2001

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O PODER DO CRIME
Segundo detentos e seus familiares, negócios chegam a ser intermediados por agentes e comerciantes
De celular a cela, tudo tem preço no presídio

DA REPORTAGEM LOCAL

Tudo é pago na Casa de Detenção, dizem os detentos ouvidos pela Folha, por celular, e seus familiares. "Até traição", afirma Nalva, 38 (os nomes são fictícios), referindo-se ao fato de o preso receber visita íntima de outra mulher. Para subir à cela acompanhado por alguém cujo nome não está na relação da carceragem, paga-se de R$ 5 a R$ 10.
O rol de produtos e serviços inclui desde uma ligação telefônica (R$ 10) até uma cela no "Morumbi" -andar dos pavilhões onde estão as celas individuais. Cada uma custa cerca de R$ 1.500.
A transação mais comum é transportar um telefone celular para dentro do complexo. Custa R$ 150. O esquema inclui alguns funcionários e um bar próximo ao presídio: o parente deixa o aparelho no bar com o nome do detento e o dinheiro. Um agente passa para buscá-lo depois.
Na Penitenciária do Estado, o negócio é feito em um estabelecimento na frente do presídio. Ao contrário da Casa de Detenção, a transação não inclui a participação de ninguém do comércio. O local serve apenas de referência.
O transporte de dinheiro custa aproximadamente 10% do valor manipulado. Mas nem tudo é negociado na Casa de Detenção em espécie: valem também maços de cigarro -a "moeda" oficial de todo o presídio.
No Carandiru, um maço do paraguaio TE vale R$ 0,50; dos nacionais Hollywood e Marlboro -os preferidos-, R$ 1. Dessa forma, a "traição" pode ser paga com cinco maços de Marlboro.
Esses cigarros, que são estocados nas celas, têm de virar "dinheiro vivo" para dar lucro. Nalva é dona de um bar na zona norte de São Paulo e vende os maços recolhidos pelo marido, preso por tráfico. A mulher diz que ele não negocia drogas, mas faz "rolos" com roupa, comida e aparelhos eletroeletrônicos.
Segundo familiares, o esquema para transformar cigarro em dinheiro inclui também camelôs que ficam ao redor das prisões.
Nalva afirma que alguns funcionários da Detenção chegam a ir a seu bar receber dinheiro. "Como não devo nada a ninguém, não tenho medo. Agora, quem deve eles pressionam mesmo. É pior que traficante", conta.
O marido de Cleide, 28, está preso no Carandiru há três anos. Segundo ela, depois de rebeliões, os negócios esquentam nos presídios. Isso porque a maior parte do patrimônio do detento (TV, roupas etc.) é destruído. "Agora, está todo mundo com fome. Mas por comida, "irmão" não cobra."


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