|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VALE A PENA SABER
PORTUGUÊS
Inverter a ordem dos termos aumenta a expressividade
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Para estudar a sintaxe da língua
portuguesa, é importante que se
comece por observar a organização mais usual das sentenças. Geralmente os enunciados seguem
uma certa seqüência -a chamada ordem direta-, que se inicia
com o sujeito, seguido de verbo,
de complementos e, finalmente,
de expressões adverbiais.
Rigorosamente na ordem direta
está uma frase como: "Ele entregou os documentos ao secretário
ontem" (sujeito/ verbo/ objeto direto/ objeto indireto/ adjunto adverbial). A compreensão desse
enunciado é imediata, pois ele se
apresenta na seqüência mais freqüente na língua.
As alterações feitas nessa ordem
buscam enfatizar algum termo da
oração. Na frase: "Os documentos, ele os entregou ao secretário
ontem", o objeto direto anteposto
(e retomado pelo pronome átono
"os") ganha destaque por ter sido
posto no início do período.
O recurso da inversão é largamente usado pelos poetas, que
buscam privilegiar o aspecto subjetivo da linguagem. Em muitos
casos, a mera anteposição do adjetivo ao substantivo dá subjetividade à expressão ("verdes olhos"
em vez de "olhos verdes", por
exemplo). Essa inversão de ordem entre termos de um mesmo
sintagma chama-se anástrofe.
Presente em muitos textos poéticos está o hipérbato, figura de
construção em que a mudança na
ordem dos termos é um pouco
mais severa, o que, por vezes, dificulta a compreensão do conteúdo. Isso é o que se vê no excerto
abaixo, extraído do poema "I-Juca-Pirama", de Gonçalves Dias. O
velho chefe timbira liberta o prisioneiro tupi por considerá-lo fraco e, portanto, indigno de ser devorado no ritual antropofágico,
provocando a resposta do jovem
índio, ferido em sua dignidade:
"-Ora não partirei; quero provar-te/ Que um filho dos tupis vive com honra,/ E com honra
maior, se acaso o vencem,/ Da
morte o passo glorioso afronta.//
-Mentiste, que um tupi não chora nunca,/ E tu choraste!... parte;
não queremos/ Com carne vil enfraquecer os fortes".
Na ordem direta, os trechos seriam: "E afronta o passo glorioso
da morte com honra maior se
acaso o vencem" e, depois, "Não
queremos enfraquecer os fortes
com carne vil". Dessa forma, o entendimento linear do texto certamente seria instantâneo, mas a
musicalidade e a atmosfera solene
do diálogo se perderiam.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha. Foi
responsável pelas aulas de gramática do
programa "Vestibulando", da TV Cultura
Texto Anterior: Entrevista: Ler muito ajuda, mas não basta para escrever bem Próximo Texto: Física: "Celeritas" e a velocidade da luz no vácuo Índice
|