São Paulo, Domingo, 04 de Abril de 1999
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GILBERTO DIMENSTEIN

A CPI dos tolos

Inspirado na cruzada de Antonio Carlos Magalhães, o PT tentou criar semana passada na Assembléia Legislativa da Bahia uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a Justiça baiana -o partido alega ter uma bateria de denúncias indicando desvios e mazelas, capazes de colocar juízes no banco dos réus.
Os seguidores de ACM preferiram não estender a fúria moralizante do Judiciário à Bahia, evitando a CPI estadual; afinal, eles sabem o interesse do PT.
A oposição tentaria colocar no banco de réus não os juízes - mas o próprio Antonio Carlos Magalhães, acusado de manipular e mesmo intimidar magistrados, com seu estilo cronicamente truculento.
No caso, os deputados baianos inspiraram-se no próprio PT, avesso à CPI, de ACM.
O partido entusiasma-se mais com a CPI dos Bancos, idéia do presidente do PMDB, Jader Barbalho; certamente imagina atingir financiadores dos atuais donos do poder.
Esse tipo de incoerência apenas mostra que a opinião pública corre o risco de cair na CPI dos Tolos.

Ambas as CPIs -Sistema Financeiro e Judiciário- são boas idéias, o Congresso age, a rigor, como deveria agir, atuando como agente fiscalizador.
Das duas, a CPI do Judiciário é ainda mais relevante, dando chance à opinião pública de ver aberta uma caixa preta num poder pouco fiscalizado.
Pouco fiscalizado, vamos reconhecer, mesmo pela imprensa, mais habituada a encontrar falcatruas no Executivo e Legislativo.
Como sou um otimista sobre os destinos nacionais, vejo neste tipo de iniciativa o aprofundamento da democracia e o avanço dos mecanismos de controle.
Vai muito bem, por enquanto ( repito, enquanto), a CPI que devassa as quadrilhas de fiscais em São Paulo.
A questão, aqui, é saber como se consegue fiscalizar os fiscais?

Só um arrematado e irreversível tolo imaginaria que indivíduos como Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães, com passagens biográficas controvertidas, para não dizer nebulosas, estão preocupados apenas com o interesse público.
Assim como o coro de magistrados contrários à investigação que não se move só pela causa pública, mas pelo temor da exposição de mazelas.
Os banqueiros sabem que não devem gritar alto, preferem atuar nos bastidores e, certamente, conhecem os mecanismos de sedução parlamentar.
Ridículo o receio exposto por técnicos do governo, fazendo eco ao presidente Fernando Henrique Cardoso, de que investigar banco pode abalar o país, gerando dificuldades de entrada de recursos.
Nem os bancos são tão fracos nem os parlamentares tão fortes. Nem, muito menos, a democracia tão esquálida, a ponto de não permitir a devassa de eventuais crimes bancários.

Com sua intuição impecável, ACM percebeu que, montado numa CPI, atacando o Judiciário, vai atrair a atenção, posicionando-se para a sucessão presidencial.
Tudo depende de sua conveniência: nos governos Sarney e Collor, ACM era inimigo das CPIs moralizantes. Vivia chamando Maluf de "ladrão", depois virou seu aliado.
Qualquer pesquisa de opinião mostra que os pobres vêem a Justiça como algo distante, incompetente, supostamente protetora dos ricos. ACM apenas está tentando fazer do Judiciário seu "marajá", igual ao projeto Fernando Collor -vê nisso a chance de angariar simpatia nos eleitores do Sul e Sudeste, onde é, ainda, um ilustre desconhecido.
Como o apoio que desfruta na mídia e sua conhecida capacidade de produzir notícias, a hipótese tem chance de decolar
Como apoio de FHC, ACM seria um candidato com boas chances para presidente.

De olho na sucessão e na tentativa de ofuscar a CPI de ACM, Jader Barbalho criou uma comissão para investigar bancos.
Mais um alvo que caiu no gosto popular.
Os eleitores já têm certa aversão a empresários. A aversão cresce ainda mais diante dos banqueiros.
Colocar "tubarão" no banco dos réus vai dar aos parlamentares a imagem de coragem, ousadia, contra o poder econômico.

Se o eleitor não quiser entrar na CPI dos tolos deve prestar atenção nos dois lados, percebendo o jogo da manipulação, separando o show da investigação.
A CPI presta, de fato, se ajuda a perceber quando o cidadão é lesado.
E não presta quando serve mais para promover candidatos do que averiguar a verdade.
A julgar pela força e esperteza de investigadores e investigados, não faltarão motivos para o cidadão suspeitar, em igual medida, de estar lesado tanto por quem investiga quanto por quem é investigado.

PS - Não gosto do estilo autoritário de Antonio Carlos Magalhães, considero-o um dos símbolos do atraso nacional, nunca engoli sua tentativa de se apresentar como paladino da moralidade.
Sou, porém, obrigado a reconhecer que uma CPI do Judiciário é um serviço à nação. Não se consegue construir Estado de Direito sem um Judiciário mais competente e próximo do cidadão.
A CPI vai ser uma bobagem se ficar nas denúncias. Um fato histórico, porém, se motivar reformas para que o brasileiro se sinta mais protegido -e, aí, seria bom que o Congresso trabalhasse mais rápido, reformando a legislação.

E-mail: gdimen@uol.com.br


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