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LETRAS JURÍDICAS
Em busca do fim da greve
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A transcrição de fatos
em palavras escritas nunca é verdadeira, até pela impossibilidade lógica de o transcritor e o
leitor serem levados pelos mesmos
elementos subjetivos. Essa convicção é velha, mas me veio ao ler a
seguinte frase no noticiário: "12
milhões de processos estão parados na Justiça do Estado de São
Paulo, causando incalculáveis
prejuízos para a população com o
retardamento de seu julgamento
por causa da greve dos
servidores".
Pois saiba o leitor que a frase incide na impossibilidade mencionada. O número impressionante
(12 milhões!) é a primeira inexatidão. A estatística é falha, mesmo
que o número seja verdadeiro, ao
não caracterizar as várias espécies de processos ou procedimentos aos quais se refere. Mistura
procedimentos de natureza administrativa, servindo de exemplo a homologação da separação
consensual dos cônjuges, com outros que se resolvem quase sem intervenção do juiz. Outro exemplo:
o dos executivos fiscais pagos pelos contribuintes assim que citados. Assim é também em procedimentos especiais de jurisdição voluntária. A pura indicação do número gigante impressiona, mas
não perturba o andamento da
Justiça. Os registros de testamento
ou de fundações, questões referentes aos registros públicos, não
correspondem ao pleno exercício
da função jurisdicional e também
podem ser considerados nesta
crise.
Volto à frase considerada de
início. A expressão "estão parados" não é verdadeira. Em primeiro lugar, porque muitos cartórios continuam operando. Os tribunais estão funcionando. Assim,
há processos prejudicados, mas, se
estar parado fosse constrangedor,
o que se diria de algo como 500
mil processos (pouco mais pouco
menos) efetivamente parados em
protocolos de tribunais estaduais,
aguardando distribuição, sem
que a paralisação tenha algo a
ver com a greve?
O "retardamento no julgamento", como também ficou dito na
frase selecionada, merece atenção. Com o foro judicial em funcionamento, há varas com a pauta em dia e até há juízes julgando
questões de outras varas, nas
quais o atraso é grande. O retardamento no julgamento é permanente em algumas delas, mas não
em outras. Não há controle efetivo e qualificado de produtividade. A missão essencial do juiz é
decidir. Imagine o leitor que, se os
juízes de primeiro grau no Estado
de São Paulo, todos juntos, resolvessem, de repente, terminar em
regime de urgência seus processos, o tempo de espera em tribunais do Estado, que hoje pode ultrapassar três anos, em média, subiria muito mais. Muitíssimo
mais. Com greve ou sem greve.
Lembremos que, quando falhem todas as reivindicações, justas (como o presidente do Tribunal de Justiça já reconheceu) ou
injustas (que também as há), a
greve é o remédio extremo. Qualquer que seja o setor envolvido,
público ou privado, sempre causa
prejuízo a parcelas da população.
Há juízes que já fizeram greve e
sabem disso. É preciso negociar
uma solução sem sacrificar a dignidade das partes, o que só é possível sem prevenções, mas principalmente respeitando a verdade.
Fora daí, parar uma reivindicação justa com o desconto de vencimentos será a vitória de Pirro,
como invariavelmente acontece.
Tem sido assim desde a reação
excessiva das autoridades na
"Place de Grève". É só esperar
para ver.
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