São Paulo, sábado, 04 de setembro de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Em busca do fim da greve

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A transcrição de fatos em palavras escritas nunca é verdadeira, até pela impossibilidade lógica de o transcritor e o leitor serem levados pelos mesmos elementos subjetivos. Essa convicção é velha, mas me veio ao ler a seguinte frase no noticiário: "12 milhões de processos estão parados na Justiça do Estado de São Paulo, causando incalculáveis prejuízos para a população com o retardamento de seu julgamento por causa da greve dos servidores".
Pois saiba o leitor que a frase incide na impossibilidade mencionada. O número impressionante (12 milhões!) é a primeira inexatidão. A estatística é falha, mesmo que o número seja verdadeiro, ao não caracterizar as várias espécies de processos ou procedimentos aos quais se refere. Mistura procedimentos de natureza administrativa, servindo de exemplo a homologação da separação consensual dos cônjuges, com outros que se resolvem quase sem intervenção do juiz. Outro exemplo: o dos executivos fiscais pagos pelos contribuintes assim que citados. Assim é também em procedimentos especiais de jurisdição voluntária. A pura indicação do número gigante impressiona, mas não perturba o andamento da Justiça. Os registros de testamento ou de fundações, questões referentes aos registros públicos, não correspondem ao pleno exercício da função jurisdicional e também podem ser considerados nesta crise.
Volto à frase considerada de início. A expressão "estão parados" não é verdadeira. Em primeiro lugar, porque muitos cartórios continuam operando. Os tribunais estão funcionando. Assim, há processos prejudicados, mas, se estar parado fosse constrangedor, o que se diria de algo como 500 mil processos (pouco mais pouco menos) efetivamente parados em protocolos de tribunais estaduais, aguardando distribuição, sem que a paralisação tenha algo a ver com a greve?
O "retardamento no julgamento", como também ficou dito na frase selecionada, merece atenção. Com o foro judicial em funcionamento, há varas com a pauta em dia e até há juízes julgando questões de outras varas, nas quais o atraso é grande. O retardamento no julgamento é permanente em algumas delas, mas não em outras. Não há controle efetivo e qualificado de produtividade. A missão essencial do juiz é decidir. Imagine o leitor que, se os juízes de primeiro grau no Estado de São Paulo, todos juntos, resolvessem, de repente, terminar em regime de urgência seus processos, o tempo de espera em tribunais do Estado, que hoje pode ultrapassar três anos, em média, subiria muito mais. Muitíssimo mais. Com greve ou sem greve.
Lembremos que, quando falhem todas as reivindicações, justas (como o presidente do Tribunal de Justiça já reconheceu) ou injustas (que também as há), a greve é o remédio extremo. Qualquer que seja o setor envolvido, público ou privado, sempre causa prejuízo a parcelas da população. Há juízes que já fizeram greve e sabem disso. É preciso negociar uma solução sem sacrificar a dignidade das partes, o que só é possível sem prevenções, mas principalmente respeitando a verdade. Fora daí, parar uma reivindicação justa com o desconto de vencimentos será a vitória de Pirro, como invariavelmente acontece. Tem sido assim desde a reação excessiva das autoridades na "Place de Grève". É só esperar para ver.


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