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LETRAS JURÍDICAS
Quinze anos e uma colcha de retalhos
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Nos meses que precederam 5 de outubro de 1988,
a principal crítica feita nesta coluna aos constituintes voltou-se
contra a adoção de uma Constituição cheia de pormenores não-constitucionais. Compreendia-se,
naquele momento histórico, a
preocupação de criar obstáculos a
todos os maus efeitos da ditadura
militar sobre os direitos dos cidadãos em face do Estado. O nobre
objetivo era assegurar que as restrições à liberdade não retornassem. A boa intenção, como é frequente, não bastou para que o resultado ideal fosse alcançado.
Mais de 200 artigos, logo aumentados, no corpo principal, seguidos por várias dezenas de outros
no ADCT - Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias
(igualmente acrescidos de novos
textos), mostraram que o "pormenorismo" não era bom. Sem falar
no número de parágrafos e incisos esparsos, criados para impedir
que a Carta ultrapassasse o esdrúxulo número de mil artigos.
Também aqui se criticou a existência de regras simplesmente
programáticas, ideais e impraticáveis, ruins porque, não sendo
obedecidas ou obedecíveis, prejudicavam a respeitabilidade da Lei
Maior, como os juristas a chamam. Para dar um só exemplo,
basta ler o artigo 3º, que considera objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalidade, além da promoção do
bem de todos. O artigo 192, que limitava os juros a 12% ao ano,
dormiu quase 15 anos antes de ser
revogado, antecipando o destino
do artigo 171 (privilegiava a indústria nacional). Não se compatibilizavam com a dura realidade
política e econômica, embora fossem voltados para boas
finalidades.
Curiosamente, porém, a revisão
autorizada pelo ADCT após cinco
anos de vigência frustrou-se há
dez anos. Temia-se que as forças
políticas que haviam dado suporte aos governos militares aproveitassem as emendas revisionais
para a tentativa de um retorno ao
passado. Depois se passou ao exagero oposto: chegou-se a emendar
duas vezes o mesmo dispositivo
no espaço de um ano.
Qual a lição a tirar destes três
lustros? A primeira é positiva apesar dos defeitos apontados: a democracia se instalou no Brasil durante um período histórico muito
importante. Um presidente sofreu
impeachment, outro conseguiu
reeleger-se, e um torneiro mecânico, feito líder político dos mais
respeitáveis, foi eleito presidente
da República. Tudo sem crises
institucionais.
Já se tem falado na conveniência de uma revisão efetiva destinada a eliminar a falta de organicidade gerada pelas muitas
emendas. A necessidade reconhecida esbarra, ainda uma vez, no
temor de ver sacrificadas as qualidades democráticas da Carta
sob a desculpa de se corrigirem
defeitos existentes. Entre eles, nenhum foi mais expressivo que o
de permitir o abuso na edição de
medidas provisórias, cuja utilidade indiscutível terminou transformada em descalabro constante,
muito criticado pelos líderes do
atual governo enquanto seus partidários não ocuparam o poder.
O grande efeito histórico da
Constituição foi ser documento
respeitável ao qual os cidadãos
começaram a se referir apesar de
suas falhas como instrumento básico de toda a estrutura jurídica
que garante seus direitos. A qualidade suficiente e os 15 anos me levarão a dedicar a coluna, durante
outubro, à Constituição e às situações criadas por suas aplicações corretas ou defeituosas.
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