São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2007

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Corridas ganham versão infantil

Incentivadas e até pressionadas pelos pais, crianças encaram percursos de até 800 m por medalhas

Especialistas afirmam que exercício faz bem para a auto-estima, mas criticam estímulo à competição e a formação de "miniadultos"

ADRIANA KÜCHLER
DA REVISTA DA FOLHA

Bruna chegou em primeiro lugar. Na corrida, só se via a atleta à frente dos outros concorrentes, todos comendo poeira. Preocupada com seu desempenho, diz que antes das competições precisa treinar todos os dias. Corre no parque, no condomínio onde mora e também na rua, enquanto a perua da escola não chega. Tem orgulho de ter feito, na corrida anterior, o melhor tempo entre as meninas de sua faixa etária: quatro anos.
Com uma coleção de 12 medalhas, Bruna faz parte de um grupo de filhos de corredores que treinam juntos ou estenderam a prática a seus filhos. Os pais, que já acompanhavam o calendário para adultos, agora começam a seguir a agenda infantil, cada vez mais repleta.
Só no mês passado, aconteceram três corridas infantis "de grife" em São Paulo -Pão de Açúcar, na sétima edição, e as novas competições do shopping Iguatemi e da Caixa-, além de outras organizadas por prefeituras ou associações de bairros. Segundo a Federação Paulista de Atletismo, os eventos para crianças devem fechar o ano com um número entre 28 mil e 30 mil miniatletas. Em 2006, foram 19 mil.
Nos dois últimos fins de semana, a reportagem acompanhou a corrida do Iguatemi, que reuniu 500 crianças, e a do Pão de Açúcar, com 2.300 -uma delas, a veterana Bruna. Nesses eventos, jovens de quatro a 15 anos percorrem distâncias que vão de 50 m a 800 m. Não há premiação e todas ganham medalhas.
Fora da pista, a torcida é tão eufórica quanto em competição profissional: "Detona, Lucas", "Dispara, Vitória", "Não olha pro lado, Guilherme". Os pais por fora, da largada à chegada, para provar que os filhos não estão ali de brincadeira.
"Tem que chegar em primeiro, tem que chegar em primeiro!", repetia a mãe de Nicole Bezerra, nove, antes da largada da Kids Run do Iguatemi e antes de sentir vergonha por estar cobrando a filha na frente da reportagem. Nicole conta que fica "mais ou menos" nervosa.
"O primeiro lugar é importante, senão, não sai na foto", brinca a mãe Siomara, administradora que trouxe a filha de Campinas para participar. Depois da corrida, encontramos Nicole, que ficou em terceiro. "Tá feliz?" "Sim." A mãe, nem tanto. "Ela estava em primeiro, mas veio por fora na curva. Tem que treinar mais."

Pais-problema
Cristiano Barbosa, 42, coordenador do departamento de corridas de rua da Federação Paulista de Atletismo, que fornece orientação aos organizadores das competições infantis, diz que a proposta desses eventos é incentivar o esporte como brincadeira. Por isso, todos ganham medalhas e brindes.
Quem estimula a competição, diz Cristiano, são os pais, mais do que os filhos. "Assim como as mães que gostariam de ter sido modelo ou atriz, põem os filhos para realizar seu sonho, tem o pai corredor que nunca ganhou uma competição e prepara o filho como se fosse uma final olímpica."
O que houve com a diversão? O médico hebiatra do Hospital das Clínicas da USP Maurício de Souza Lima, 45, diz que o excesso de autocobrança dos adultos chegou às crianças. "É preciso entender que todo esporte exige técnica, e que as crianças não têm estrutura física nem psicológica para lidar com a pressão." Ou seja, se a comparação for incentivada, o tiro pode sair pela culatra.
Foi o que aconteceu com Hugo Tamake, seis, que chegou ao fim da corrida Pão de Açúcar Kids chorando. Com a melhor das intenções, a mãe Laura inscreveu o menino, que é tímido e fica nervoso em apresentações da escola, no evento. "Achei que era uma boa idéia para vencer essa barreira, mas ele ficou nervoso. Nem sempre dá pra ganhar, né filho?"
A psicóloga da Unifesp Mara Lofrano, 29, diz que exercício é bom para a auto-estima e para aprender a lidar com limites e regras, a ganhar e a perder. "Mas correr é um esporte muito solitário. Se a criança é tímida, talvez não seja a atividade mais recomendada."
Estímulo à atividade física é sempre bem-vindo, explica o pediatra da Unifesp Mário Bracco, 47. "Filhos de pais ativos são seis vezes mais ativos do que filhos de sedentários." O que não é bem-vindo é o estímulo à competição. "Aí a criança vira um miniadulto", diz.

Leia a íntegra em www.uol.com.br/revista


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