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Corridas ganham versão infantil
Incentivadas e até pressionadas pelos pais, crianças encaram percursos de até 800 m por medalhas
Especialistas afirmam que exercício faz bem para a auto-estima, mas criticam estímulo à competição e a formação de "miniadultos"
ADRIANA KÜCHLER
DA REVISTA DA FOLHA
Bruna chegou em primeiro
lugar. Na corrida, só se via a
atleta à frente dos outros concorrentes, todos comendo
poeira. Preocupada com seu
desempenho, diz que antes das
competições precisa treinar todos os dias. Corre no parque, no
condomínio onde mora e também na rua, enquanto a perua
da escola não chega. Tem orgulho de ter feito, na corrida anterior, o melhor tempo entre as
meninas de sua faixa etária:
quatro anos.
Com uma coleção de 12 medalhas, Bruna faz parte de um
grupo de filhos de corredores
que treinam juntos ou estenderam a prática a seus filhos. Os
pais, que já acompanhavam o
calendário para adultos, agora
começam a seguir a agenda infantil, cada vez mais repleta.
Só no mês passado, aconteceram três corridas infantis "de
grife" em São Paulo -Pão de
Açúcar, na sétima edição, e as
novas competições do shopping Iguatemi e da Caixa-,
além de outras organizadas por
prefeituras ou associações de
bairros. Segundo a Federação
Paulista de Atletismo, os eventos para crianças devem fechar
o ano com um número entre 28
mil e 30 mil miniatletas. Em
2006, foram 19 mil.
Nos dois últimos fins de semana, a reportagem acompanhou a corrida do Iguatemi,
que reuniu 500 crianças, e a do
Pão de Açúcar, com 2.300
-uma delas, a veterana Bruna.
Nesses eventos, jovens de quatro a 15 anos percorrem distâncias que vão de 50 m a 800 m.
Não há premiação e todas ganham medalhas.
Fora da pista, a torcida é tão
eufórica quanto em competição profissional: "Detona, Lucas", "Dispara, Vitória", "Não
olha pro lado, Guilherme". Os
pais por fora, da largada à chegada, para provar que os filhos
não estão ali de brincadeira.
"Tem que chegar em primeiro, tem que chegar em primeiro!", repetia a mãe de Nicole
Bezerra, nove, antes da largada
da Kids Run do Iguatemi e antes de sentir vergonha por estar
cobrando a filha na frente da
reportagem. Nicole conta que
fica "mais ou menos" nervosa.
"O primeiro lugar é importante, senão, não sai na foto",
brinca a mãe Siomara, administradora que trouxe a filha de
Campinas para participar. Depois da corrida, encontramos
Nicole, que ficou em terceiro.
"Tá feliz?" "Sim." A mãe, nem
tanto. "Ela estava em primeiro,
mas veio por fora na curva.
Tem que treinar mais."
Pais-problema
Cristiano Barbosa, 42, coordenador do departamento de
corridas de rua da Federação
Paulista de Atletismo, que fornece orientação aos organizadores das competições infantis,
diz que a proposta desses eventos é incentivar o esporte como
brincadeira. Por isso, todos ganham medalhas e brindes.
Quem estimula a competição, diz Cristiano, são os pais,
mais do que os filhos. "Assim
como as mães que gostariam de
ter sido modelo ou atriz, põem
os filhos para realizar seu sonho, tem o pai corredor que
nunca ganhou uma competição
e prepara o filho como se fosse
uma final olímpica."
O que houve com a diversão?
O médico hebiatra do Hospital
das Clínicas da USP Maurício
de Souza Lima, 45, diz que o excesso de autocobrança dos
adultos chegou às crianças. "É
preciso entender que todo esporte exige técnica, e que as
crianças não têm estrutura física nem psicológica para lidar
com a pressão." Ou seja, se a
comparação for incentivada, o
tiro pode sair pela culatra.
Foi o que aconteceu com Hugo Tamake, seis, que chegou ao
fim da corrida Pão de Açúcar
Kids chorando. Com a melhor
das intenções, a mãe Laura inscreveu o menino, que é tímido e
fica nervoso em apresentações
da escola, no evento. "Achei
que era uma boa idéia para vencer essa barreira, mas ele ficou
nervoso. Nem sempre dá pra
ganhar, né filho?"
A psicóloga da Unifesp Mara
Lofrano, 29, diz que exercício é
bom para a auto-estima e para
aprender a lidar com limites e
regras, a ganhar e a perder.
"Mas correr é um esporte muito solitário. Se a criança é tímida, talvez não seja a atividade
mais recomendada."
Estímulo à atividade física é
sempre bem-vindo, explica o
pediatra da Unifesp Mário
Bracco, 47. "Filhos de pais ativos são seis vezes mais ativos
do que filhos de sedentários." O
que não é bem-vindo é o estímulo à competição. "Aí a criança vira um miniadulto", diz.
Leia a íntegra em
www.uol.com.br/revista
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