São Paulo, domingo, 05 de fevereiro de 2006

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Grupos de gays, estrangeiros, pit boys e endinheirados se espalham pelo bairro e têm até locais delimitados na areia da praia

Ipanema se divide para reinar no verão

TALITA FIGUEIREDO
DA SUCURSAL DO RIO

A exemplo de sua famosa garota, Ipanema achou sua verdadeira "praia" neste verão e descobriu como explorar a vocação internacional que Tom e Vinicius lhe deram. Espremida entre a proletarização de Copacabana -com suas pastelarias chinesas e lojas de R$ 1,99- e a auto-suficiência bairrista do Leblon- onde impera o orgulho de ser local-, Ipanema se dividiu para reinar.
Rua a rua, entre a praia e a lagoa Rodrigo de Freitas, Ipanema se define por temas e conquista os turistas que batem palmas -a cada pôr-do-sol- e pernas -dia e noite pelo bairro.
Assim como cada tribo já delimitou seu lugar na areia da praia, o mesmo acontece em todas as dez ruas paralelas (ou quase) que concentram o grosso do movimento do bairro. Cada uma e seus arredores têm seu público alvo -ou âncora.

Caipirinha e Feijoada
Partindo dos lados de onde o sol nasce, do Arpoador, a primeira parada é nas ruas Jangadeiros e Teixeira de Melo, que ladeiam a praça General Osório.
Outrora um ponto quase morto, que apenas se alegrava com os desfiles da Banda de Ipanema e do Bloco Simpatia É Quase Amor, o local ganhou vida nova com a instalação de um pólo gastronômico.
É lá onde fica a Casa da Feijoada, para quem não teme a explosiva mistura calor-caloria-caipirinha. E também onde está a filial com preços mais em conta do Brasileirinho. Ali perto ainda está o sofisticado Terzetto, italiano com uma das melhores cartas de vinho da cidade.
Ao redor da General Osório, ficam os internacionais Shenanigans e o Irish Pub, onde entre "pints" de cerveja Guinness e batatas assadas, a língua que menos se escuta em meio à juventude rosada é o português.
Os restaurantes da rua Jangadeiros decidiram se unir: "Eram muitos mendigos e trombadinhas na praça, que, à noite, era muito escura. Contratamos seguranças por 24 horas ao dia. As mudanças beneficiaram todos os restaurantes no entorno da praça", afirmou o dono do Banana Jack, João Diniz, 32, que produz sua própria cerveja -uma delas com sabor de banana.
Os donos dos restaurantes estão investindo na iluminação e na revitalização da praça General Osório, e, em contrapartida, a Prefeitura do Rio autorizou que usem um pedaço da calçada da praça para, em estilo europeu, pôr mesas e cadeiras.

Comer, comer
Paralela à rua Farme de Amoedo, rumo ao Jardim de Alah, fica a rua Vinicius de Moraes, antiga rua Montenegro, onde os turistas mais ortodoxos batem ponto.
Foi de um bar desta rua que o poetinha viu Helô Pinheiro num doce balanço a caminho do mar e fez para ela -com o parceiro Tom Jobim- uma das músicas mais executadas no mundo. O bar se chamava Veloso. Hoje, é Garota de Ipanema.
"Esta é a rua mais importante do bairro", afirma o gerente Ênio Coelho, 48. Há 12 anos ali, ele garante que basta o nome para atrair turistas.
Os segredos gastronômicos da Vinicius ficam mais embaixo. Entre as ruas Visconde de Pirajá e Barão da Torre.
As opções são diversas: vão do sofisticado Olivier Cozan, mistura de bistrô e restaurante francês, ao simpático Mirai, japonês de cozinha experimental, passando pela pizzaria Capricciosa, que ganhou o noticiário policial depois que seus donos foram acusados de exportar cocaína dentro de bucho de boi para a Europa.

Galera "legalize"
Na seqüência, muda-se de praça e de mote. As ruas Joana Angélica e Maria Quitéria, com a praça da Paz no meio, são redutos jovens por excelência.
A Maria Quitéria é a rua das butiques: Osklen, Richard's, Redley (a caminho), MAC etc. É também uma das calçadas mais badaladas quando o sol se põe.
Vendedor da loja Jamf, de surfe, Bernard Saddy, 22, traduz no seu dialeto o que é aquele point. "Este aqui é o auge da garotada, tem mais "vibe", um "lance" positivo. Mas é freqüentado pela nata, só por gente que tem poder aquisitivo. Muita gente que vem aqui freqüenta o posto nove, é uma galera "legalize" [que usa maconha]", afirmou.
Em frente ao bar Empório, quase na esquina da rua Prudente de Moraes, sempre acontece festa. Ambulantes vendem cerveja na calçada para quem tem pouco dinheiro.
A azaração, dentro ou fora, é total. É difícil uma moça passar por ali sem ganhar um beijo na boca -quer queira, quer não. E do outro lado ainda inauguraram o Conversa Fiada, boteco de estilo paulistano, que começa a encher depois da praia.
De volta à praça, a idade sobe um pouco, mas raramente chega aos 30. É a Baronetti, boate da juventude dourada e de alguns pit boys. Bares ali não faltam: há o Informal, Itahy nas duas esquinas e o Mix By Bronze, para quem quer uma mesa mais elaborada para ser visto.

Origens
Ipanema, com 112 anos de idade, teve como seus primeiros habitantes os índios tamoios. A origem do seu nome é controvertida. Pode ter vindo do tupi-guarani "Y-panema", que significa água suja, algo bastante adequado para o verão da gigoga (planta aquática que tomou conta das praias cariocas).
Há também uma outra versão, mais nobre: o nome viria do barão de Ipanema, proprietário das terras e responsável pela sua divisão e venda de lotes.
A dúvida mostra que, desde o nome, Ipanema se divide entre a sofisticação e o inusitado.


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