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INCULTA & BELA
"Meio" e "bastantes"
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Com a publicação do endereço eletrônico (o chamado
e-mail) desta coluna, chovem
mensagens dos leitores, com
dúvidas e mais dúvidas. Aos
poucos, vamos comentá-las e
tentar resolvê-las.
Uma dúvida que muitos
apresentaram diz respeito à
bendita palavra "bastantes".
Existe ou não existe esse
monstrinho? Num de meus
programas na TV Cultura,
uma repórter perguntou isso
ao povo. Entre as tantas respostas, destaca-se a de um rapaz, que disse que o plural é
inútil, porque, "afinal, se é
bastante, já é muito, não é
necessário o plural".
É normal que o significado
de uma palavra leve o falante
a confundir-se quanto ao seu
emprego gramatical. É clássico o caso de meio e meia. Se se
diz "meia hora", por que não
se diz "meia cansada"?
Há um motivo gramatical
para isso. Hora é substantivo;
cansada é adjetivo. Palavra
que modifica substantivo varia (muito arroz, muita carne,
muitos dias, muitas horas,
meio ano, meia hora). Palavra que modifica adjetivo não
varia (muito cansado, muito
cansada, muito cansados,
muito cansadas, meio cansada, meio cansadas).
Mas o que se vê na prática
não é o respeito a esse princípio da gramática normativa.
O povo gosta mesmo é de dizer "ela está meia nervosa". E
até entre autores clássicos é
possível encontrar um ou outro exemplo de desobediência
a essa norma.
No caso específico de "bastante", o problema básico é
um só: não estamos acostumados a ouvir essa palavra no
plural ("bastantes"), por isso
ela nos soa esquisita, para
não dizer errada.
A palavra "bastante" é da
mesma família do verbo "bastar". Ao pé da letra, bastante
é o que basta, o suficiente:
"Não há livros suficientes/Não há livros bastantes";
"O país não dispõe de recursos suficientes/O país não dispõe de recursos bastantes".
Paralelamente, "bastante"
também assumiu o sentido de
"muito, numeroso". Assim,
deve sofrer as mesmas flexões
que sofre a palavra "muito",
ou seja, quando for possível
usar "muitos" ou "muitas",
deve-se usar "bastantes": "O
time perdeu muitas oportunidades/O time perdeu bastantes oportunidades"; "O jornal
tem muitos leitores/O jornal
tem bastantes leitores".
E é aí que a roda pega. No
Brasil, ninguém diz que o time perdeu "bastantes oportunidades". Se um jogador de
futebol disser algo semelhante, muita gente vai chamá-lo
de analfabeto etc.
Se um dia você assistir a um
programa da RTP (Rádio e
Televisão Portuguesa), vai
notar que em Portugal essa
flexão é dita sem cerimônia,
até por jogadores de futebol.
O que fazer então? Usar o
bom senso. Se você quiser empregar a palavra "bastante"
respeitando a norma gramatical, deve fazer as flexões.
Mas não exagere, nem saia
por aí dizendo que eu disse o
que não disse. Nada de "Elas
estão bastantes nervosas".
Não é possível substituir esse
"bastantes" por "muitas".
Ninguém diria "Elas estão
muitas nervosas".
Resumo da história: na língua portuguesa, registra-se,
sim, o emprego da palavra
"bastantes", substituível por
muitos, muitas, suficientes.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna
às quintas-feiras
E-mail: inculta@uol.com.br
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