São Paulo, Sábado, 05 de Junho de 1999
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SAÚDE
Encontro de associações junguianas em Minas Gerais discute como pessoas e grupos descarregam suas culpas
Sociedades elegem seus bodes expiatórios

AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local

Um encontro de psicólogos e psicoterapeutas junguianos no sul de Minas está colocando a figura do bode expiatório no centro das salas de discussão. Segundo o olhar de vários especialistas, a sociedade vive uma crise propícia para a eleição desses bodes.
CPIs, pedidos de impeachment, bombardeios, "guerras de limpeza étnica" e até juízes de futebol seriam os bodes expiatórios dos dias atuais. "A sociedade tende a eleger alguém para descarregar suas culpas e frustrações", afirma Décio Gilberto Natrielli, psiquiatra do Hospital Albert Einstein e presidente da Sociedade Brasileira de Psicoterapia Analítica de Grupo.
O debate traz à tona um "recurso mental" milenar. Sociedades primitivas costumavam escolher um bode para depositar nele toda a culpa por epidemias e catástrofes. Depois o animal era levado para o deserto e sacrificado. Os gregos antigos escolhiam a pessoa mais feia da comunidade para sacrificar como bode expiatório.
"A agressividade lançada sobre o bode expiatório serve para descarregar conflitos que o homem está vivendo", diz o psiquiatra e psicanalista Luiz Miller de Paiva, professor da Unifesp e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Psicossomática. Ao lançar a culpa sobre alguém, os grupos se sentem menos impotentes. O recurso, no entanto, nada tem de saudável, pois os problemas permanecem.
O tema do bode expiatório está no centro de três encontros que acontecem em Poços de Caldas: o 5º Congresso da Sociedade Brasileira de Psicoterapia Junguiana, a 16ª Jornada da Sociedade Paulista de Psicoterapia Analítica de Grupo e a 11ª Jornada da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática de Barbacena-Juiz de Fora.
Um dos principais convidados estrangeiros, o psiquiatra e escritor norte-americano Arthur Colman, diz que "o bode expiatório faz parte da estrutura e composição dos grupos sociais". "Sempre se acha um culpado para as coisas." Nas suas palestras, Colman costuma citar um caso que considera clássico: a escolha do presidente Bill Clinton como bode expiatório no episódio que envolveu Monica Lewinsky.
Na galeria dos "bodes", os junguianos citam de Jesus Cristo a Martin Luther King. Em muitos casos, no entanto, os "bodes" conseguem reverter o quadro, desviando a atenção ou assumindo papel de "bonzinho", diz Natrielli. Foi assim com Clinton quando passou a atacar o "satã" Saddam Hussein. Também tem sido assim com alguns acusados em CPIs no Brasil, lembram os especialistas.
Miller de Paiva identifica dois tipos de bodes expiatórios. Primeiro, e mais comum, aquele que é punido pelo grupo por sua criatividade, iniciativa e atitudes fora do padrão. O segundo modelo é aquele que se apresenta como o bode, "que tem neurose de sucesso e tem necessidade de punição".
Os bodes expiatórios também podem ser comportamentos e governos. "A Igreja Católica elegeu a sexualidade como bode expiatório", diz Paiva.
Em tempos de crise, os governantes são os bodes da grande maioria, afirmam o especialistas.
As pessoas em conflitos psíquicos também elegem órgãos de seu próprio corpo como bode expiatório. Na visão da medicina psicossomática, muitas das doenças têm origem nos problemas emocionais. O infarto do miocárdio seria o "coágulo de lágrimas reprimidas por não terem sido extravasadas".
Com o aumento da desesperança provocada pelo desemprego, os junguianos prevêem um período de distúrbios psíquicos. "A tendência é piorar muito o estado de ansiedade e de angústia da humanidade", diz Miller de Paiva.


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