|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SAÚDE
Encontro de associações junguianas em Minas Gerais discute como pessoas e grupos descarregam suas culpas
Sociedades elegem seus bodes expiatórios
AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local
Um encontro de psicólogos e psicoterapeutas junguianos no sul de
Minas está colocando a figura do
bode expiatório no centro das salas
de discussão. Segundo o olhar de
vários especialistas, a sociedade vive uma crise propícia para a eleição desses bodes.
CPIs, pedidos de impeachment,
bombardeios, "guerras de limpeza
étnica" e até juízes de futebol seriam os bodes expiatórios dos dias
atuais. "A sociedade tende a eleger
alguém para descarregar suas culpas e frustrações", afirma Décio
Gilberto Natrielli, psiquiatra do
Hospital Albert Einstein e presidente da Sociedade Brasileira de
Psicoterapia Analítica de Grupo.
O debate traz à tona um "recurso
mental" milenar. Sociedades primitivas costumavam escolher um
bode para depositar nele toda a
culpa por epidemias e catástrofes.
Depois o animal era levado para o
deserto e sacrificado. Os gregos
antigos escolhiam a pessoa mais
feia da comunidade para sacrificar
como bode expiatório.
"A agressividade lançada sobre o
bode expiatório serve para descarregar conflitos que o homem está
vivendo", diz o psiquiatra e psicanalista Luiz Miller de Paiva, professor da Unifesp e ex-presidente
da Sociedade Brasileira de Medicina Psicossomática. Ao lançar a culpa sobre alguém, os grupos se sentem menos impotentes. O recurso,
no entanto, nada tem de saudável,
pois os problemas permanecem.
O tema do bode expiatório está
no centro de três encontros que
acontecem em Poços de Caldas: o
5º Congresso da Sociedade Brasileira de Psicoterapia Junguiana, a
16ª Jornada da Sociedade Paulista
de Psicoterapia Analítica de Grupo
e a 11ª Jornada da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática
de Barbacena-Juiz de Fora.
Um dos principais convidados
estrangeiros, o psiquiatra e escritor norte-americano Arthur Colman, diz que "o bode expiatório
faz parte da estrutura e composição dos grupos sociais". "Sempre
se acha um culpado para as coisas." Nas suas palestras, Colman
costuma citar um caso que considera clássico: a escolha do presidente Bill Clinton como bode expiatório no episódio que envolveu
Monica Lewinsky.
Na galeria dos "bodes", os junguianos citam de Jesus Cristo a
Martin Luther King. Em muitos
casos, no entanto, os "bodes" conseguem reverter o quadro, desviando a atenção ou assumindo
papel de "bonzinho", diz Natrielli.
Foi assim com Clinton quando
passou a atacar o "satã" Saddam
Hussein. Também tem sido assim
com alguns acusados em CPIs no
Brasil, lembram os especialistas.
Miller de Paiva identifica dois tipos de bodes expiatórios. Primeiro, e mais comum, aquele que é punido pelo grupo por sua criatividade, iniciativa e atitudes fora do padrão. O segundo modelo é aquele
que se apresenta como o bode,
"que tem neurose de sucesso e tem
necessidade de punição".
Os bodes expiatórios também
podem ser comportamentos e governos. "A Igreja Católica elegeu a
sexualidade como bode expiatório", diz Paiva.
Em tempos de crise, os governantes são os bodes da grande
maioria, afirmam o especialistas.
As pessoas em conflitos psíquicos também elegem órgãos de seu
próprio corpo como bode expiatório. Na visão da medicina psicossomática, muitas das doenças têm
origem nos problemas emocionais. O infarto do miocárdio seria
o "coágulo de lágrimas reprimidas
por não terem sido extravasadas".
Com o aumento da desesperança
provocada pelo desemprego, os
junguianos prevêem um período
de distúrbios psíquicos. "A tendência é piorar muito o estado de
ansiedade e de angústia da humanidade", diz Miller de Paiva.
Texto Anterior: Criado 1º juizado do consumidor no país Próximo Texto: Greve faz pacientes de Campinas "migrarem" para outras cidades Índice
|