São Paulo, quarta-feira, 05 de julho de 2006

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entrevista

"Estamos com medo da polícia e do ladrão"

RICARDO GALLO
DA REPORTAGEM LOCAL

A partida entre Brasil e França terminara há pouco tempo, no último sábado, quando o telefone tocou na casa do agente penitenciário João (nome fictício), na zona norte de São Paulo.
Do outro da linha, voz ameaçadora, alguém avisa: "Você é agente e é o próximo a morrer". Àquela altura, três agentes penitenciários haviam sido assassinados num prazo de 72 horas no Estado de São Paulo.
Salário de R$ 1.400, João, 27, que trabalha num CDP (Centro de Detenção Provisória) da zona leste da cidade, ouviu de seu interlocutor uma outra provocação antes que este desligasse. "Entendeu o que eu falei, né?" O horário ficou registrado no aparelho de identificação de chamadas: 18h48.
Só a namorada e uma irmã do agente souberam da ameaça. "Tranquei tudo, coloquei sofá na porta de casa, a arma dentro do travesseiro, liguei para o 190", disse João, que estuda direito para mudar de profissão. A seguir, trechos da conversa com João, que estava no trabalho quando falou à Folha.

 

FOLHA - Como foi a ameaça? JOÃO - Eram 18h48, ligaram e eu atendi. [A voz] Perguntou: "Alô, quem está falando", aí respondi: "Quem está falando, você quer falar com quem, meu amigo?"

FOLHA - E depois?
JOÃO -
Ele falou: "Você é agente e é o próximo a morrer". Pensei que fosse brincadeira, mas daí [a voz] falou: "Entendeu o que eu falei, né?" Aí retornei a ligação [João tem um aparelho identificador de chamadas], ninguém atendia. Uma hora minha namorada ligou, uma pessoa atendeu e disse que era um orelhão. Liguei para a Telefônica e descobri que era um telefone público, da região de Guarulhos.

FOLHA - O que você fez?
JOÃO -
Tranquei tudo, coloquei sofá na porta de casa, a arma dentro do travesseiro, liguei para o 190 [PM].

FOLHA - O seu telefone está no catálogo telefônico?
JOÃO -
Não. Mas onde eu trabalho tem presídio semi-aberto, os presos vêem seu carro, "puxam" sua placa do carro.

FOLHA - Você conseguiu dormir?
JOÃO -
Sonhei com a cadeia, acordei. Seu inconsciente muda.

FOLHA - Como estava sua rotina até antes da ameaça?
JOÃO -
Eu chegava e dava duas voltas no quarteirão antes de chegar em casa. Você sai de casa olhando até para o teto. Anda com precaução.

FOLHA - Como você está se sentindo?
JOÃO -
A gente está de mãos atadas. Estamos com medo da polícia [que prende agentes que andam armados], já aconteceu de vários colegas meus serem presos, e do ladrão. Não tem o que fazer.

FOLHA - Pensa em pedir licença?
JOÃO -
Não tem como. Preciso trabalhar.

FOLHA - E em mudar de profissão?
JOÃO -
Estou estudando para isso.

FOLHA - O que você faz? JOÃO - [Faculdade de] Direito.


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