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entrevista
"Estamos com medo da polícia e do ladrão"
RICARDO GALLO
DA REPORTAGEM LOCAL
A partida entre Brasil e
França terminara há pouco
tempo, no último sábado,
quando o telefone tocou na
casa do agente penitenciário
João (nome fictício), na zona
norte de São Paulo.
Do outro da linha, voz
ameaçadora, alguém avisa:
"Você é agente e é o próximo
a morrer". Àquela altura, três
agentes penitenciários haviam sido assassinados num
prazo de 72 horas no Estado
de São Paulo.
Salário de R$ 1.400, João,
27, que trabalha num CDP
(Centro de Detenção Provisória) da zona leste da cidade, ouviu de seu interlocutor
uma outra provocação antes
que este desligasse. "Entendeu o que eu falei, né?" O horário ficou registrado no aparelho de identificação de
chamadas: 18h48.
Só a namorada e uma irmã
do agente souberam da
ameaça. "Tranquei tudo, coloquei sofá na porta de casa, a
arma dentro do travesseiro,
liguei para o 190", disse João,
que estuda direito para mudar de profissão. A seguir,
trechos da conversa com
João, que estava no trabalho
quando falou à Folha.
FOLHA - Como foi a ameaça?
JOÃO - Eram 18h48, ligaram
e eu atendi. [A voz] Perguntou: "Alô, quem está falando", aí respondi: "Quem está
falando, você quer falar com
quem, meu amigo?"
FOLHA - E depois?
JOÃO - Ele falou: "Você é
agente e é o próximo a morrer". Pensei que fosse brincadeira, mas daí [a voz] falou:
"Entendeu o que eu falei,
né?" Aí retornei a ligação
[João tem um aparelho identificador de chamadas], ninguém atendia. Uma hora minha namorada ligou, uma
pessoa atendeu e disse que
era um orelhão. Liguei para a
Telefônica e descobri que era
um telefone público, da região de Guarulhos.
FOLHA - O que você fez?
JOÃO - Tranquei tudo, coloquei sofá na porta de casa, a
arma dentro do travesseiro,
liguei para o 190 [PM].
FOLHA - O seu telefone está no
catálogo telefônico?
JOÃO - Não. Mas onde eu
trabalho tem presídio semi-aberto, os presos vêem seu
carro, "puxam" sua placa do
carro.
FOLHA - Você conseguiu dormir?
JOÃO - Sonhei com a cadeia,
acordei. Seu inconsciente
muda.
FOLHA - Como estava sua rotina
até antes da ameaça?
JOÃO - Eu chegava e dava
duas voltas no quarteirão antes de chegar em casa. Você
sai de casa olhando até para o
teto. Anda com precaução.
FOLHA - Como você está se sentindo?
JOÃO - A gente está de mãos
atadas. Estamos com medo
da polícia [que prende agentes que andam armados], já
aconteceu de vários colegas
meus serem presos, e do ladrão. Não tem o que fazer.
FOLHA - Pensa em pedir licença?
JOÃO - Não tem como. Preciso trabalhar.
FOLHA - E em mudar de profissão?
JOÃO - Estou estudando para isso.
FOLHA - O que você faz?
JOÃO - [Faculdade de] Direito.
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