|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
APAGÃO
Morador de Itaquaquecetuba (Grande SP), o militar reformado Vicente Borges reclama que atividade criminosa cresceu
"Com a escuridão, o tráfico corre solto"
DA REPORTAGEM LOCAL
O militar reformado Vicente
Garcia Borges, 68, é um homem
de pouca sorte com luz.
Três postes que ficam defronte à
sua casa, na Vila Zeferina, em Itaquaquecetuba, na Grande São
Paulo, foram desligados. O resultado é um breu medonho, só cortado pela luz de sua sala, na qual
uma bandeira do Brasil faz as vezes de cortina.
A bandeira é uma lembrança de
sua época de nacionalista, quando se alinhou com os que foram
contra o movimento militar de
1964. "Vi muita corrupção", sussurra, como se estivesse sendo espionado. "Vi mulheres de oficiais
saindo com pacotes de presentes
do Mappin. Corrupção grossa."
O diabo, diz Borges, é que nem
na aposentadoria lhe dão sossego.
"Estragaram o bairro com esse
apagão", reclama. "Vivo aqui desde 1978 e nunca vi nada parecido.
Tem mais movimento de carro de
noite do que de dia. Pode?"
Poder, pode, mas não são carros
quaisquer, diz ele. "Aproveitaram
o apagão para traficar no bairro.
Os carros são de traficantes e de
compradores de droga. Isso já
existia, mas era bem menor antes
do apagão. Com a escuridão, a
coisa corre solta", relata.
Diferença
Itaquaquecetuba fica colada ao
Itaim Paulista, na zona leste de
São Paulo. Lá, é possível perceber
a diferença entre o racionamento
em São Paulo, onde a prefeitura
resistiu ao corte da iluminação
pública, e nas cidades vizinhas.
Em Itaquaquecetuba, basta sair
de uma avenida para cair na escuridão. No Itaim, luz acesa nos postes é regra; a escuridão é restrita a
alguns becos e vielas.
"Pobre é azarado mesmo. Lá no
centrinho do Itaim está tudo aceso, é uma beleza. Aqui, apagaram
os postes no local mais precário.
Não podia", cobra o pedreiro
A.N., 34 -ele pediu para seu nome ser omitido por medo de retaliações dos traficantes da favela.
O "local mais precário" é a travessa Adam Prese, ao lado da favela do Jardim Virgínia. Ela tem
cerca de cem metros, e os três postes que iluminavam a viela e a entrada da favela viraram enfeite
-estão todos apagados. Estudantes que moram na região cortam caminho pela escuridão.
Medo
As consequências do apagão na
travessa são as mais óbvias: violência e medo. "Outro dia tentaram estuprar uma mulher na travessa. Ela deu sorte porque correu
e conseguiu encontrar uma turma
que estava no barzinho daqui",
conta o metalúrgico C.N., 19.
A Eletropaulo informa que o
apagão na travessa não foi programado. É acidental.
Texto Anterior: Cidade encolheu, afirmam pilotos Próximo Texto: Medo cresce com falta de luz em Campinas Índice
|