São Paulo, domingo, 05 de agosto de 2001

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APAGÃO

Morador de Itaquaquecetuba (Grande SP), o militar reformado Vicente Borges reclama que atividade criminosa cresceu

"Com a escuridão, o tráfico corre solto"

DA REPORTAGEM LOCAL

O militar reformado Vicente Garcia Borges, 68, é um homem de pouca sorte com luz.
Três postes que ficam defronte à sua casa, na Vila Zeferina, em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, foram desligados. O resultado é um breu medonho, só cortado pela luz de sua sala, na qual uma bandeira do Brasil faz as vezes de cortina.
A bandeira é uma lembrança de sua época de nacionalista, quando se alinhou com os que foram contra o movimento militar de 1964. "Vi muita corrupção", sussurra, como se estivesse sendo espionado. "Vi mulheres de oficiais saindo com pacotes de presentes do Mappin. Corrupção grossa."
O diabo, diz Borges, é que nem na aposentadoria lhe dão sossego. "Estragaram o bairro com esse apagão", reclama. "Vivo aqui desde 1978 e nunca vi nada parecido. Tem mais movimento de carro de noite do que de dia. Pode?"
Poder, pode, mas não são carros quaisquer, diz ele. "Aproveitaram o apagão para traficar no bairro. Os carros são de traficantes e de compradores de droga. Isso já existia, mas era bem menor antes do apagão. Com a escuridão, a coisa corre solta", relata.

Diferença
Itaquaquecetuba fica colada ao Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo. Lá, é possível perceber a diferença entre o racionamento em São Paulo, onde a prefeitura resistiu ao corte da iluminação pública, e nas cidades vizinhas.
Em Itaquaquecetuba, basta sair de uma avenida para cair na escuridão. No Itaim, luz acesa nos postes é regra; a escuridão é restrita a alguns becos e vielas.
"Pobre é azarado mesmo. Lá no centrinho do Itaim está tudo aceso, é uma beleza. Aqui, apagaram os postes no local mais precário. Não podia", cobra o pedreiro A.N., 34 -ele pediu para seu nome ser omitido por medo de retaliações dos traficantes da favela.
O "local mais precário" é a travessa Adam Prese, ao lado da favela do Jardim Virgínia. Ela tem cerca de cem metros, e os três postes que iluminavam a viela e a entrada da favela viraram enfeite -estão todos apagados. Estudantes que moram na região cortam caminho pela escuridão.

Medo
As consequências do apagão na travessa são as mais óbvias: violência e medo. "Outro dia tentaram estuprar uma mulher na travessa. Ela deu sorte porque correu e conseguiu encontrar uma turma que estava no barzinho daqui", conta o metalúrgico C.N., 19.
A Eletropaulo informa que o apagão na travessa não foi programado. É acidental.


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