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"O assassino olhava para a gente, olhava para o filme e atirava"
da Reportagem Local
O estudante Mateus da Costa Meira
entrou na sala de cinema do MorumbiShopping quase
sem ser notado. "A
sombra de um sujeito apareceu
do lado direito da tela. Vi ele parado, olhando para a platéia e para o
filme, para platéia e para o filme.
Cheguei a pensar: "O que essa cara
está fazendo?" Eu não via nada na
mão dele", lembra o publicitário
Renato de Mello, de 24 anos. "De
repente, ouvi um estrondo."
Meira deu os primeiros disparos. "Escutei um barulho forte e vi
uma faísca. Ele atirou para cima,
desceu a rampa ao lado da tela e
disparou mais", lembra o administrador Leonardo Vidal, 25.
"Estava bem na cena em que
um dos personagens diz que, se os
chefes dele não pegassem mais leve, ele ia metralhar todo mundo.
Cheguei a rir. Pensei que era pegadinha, brincadeira de programa de televisão. Daquelas de mau
gosto", conta Miguel Beltran Neto, estudante de direito.
"Ouvi mais uns estampidos.
Mas só percebi o que era quando
saltou sangue em mim", prossegue Beltran Neto.
As pessoas que estavam sentadas na primeira fileira se abaixaram. Como acontece nos estádios
de futebol, quem estava nas outras fileiras seguiu o movimento e
se jogou no chão.
"Já tinha gente ferida na minha
frente. Nessa hora passou um
monte de coisas pela minha cabeça. Minha mãe tinha me dito que
sonhou com dente e que isso significava que alguém ia morrer.
Pensei: "Sou eu'", diz Beltran Neto. "A moça que estava ao meu lado me puxou. Abaixei, e ela ficou
quase em cima de mim."
Amontoados, os espectadores
ouviram os estrondos em silêncio. "Ninguém falou nada, não
houve gritaria. Ficou um silêncio
enorme. Só se ouviam os tiros",
lembra a engenheira Vanessa Maya. "Aí meu marido falou baixinho: "Fui atingido". Pedi para ele
ficar calmo, mas eu tremia".
Antonio Martins, o marido de
Vanessa, foi atingido por estilhaços e teve ferimentos leves. "O assassino olhava para a gente, olhava para o filme e atirava. Sempre
devagar", diz a engenheira.
Três pessoas foram atingidas
mortalmente. Duas delas com tiros na cabeça. "Estavam todas
perto de mim. Uma na frente, outra ao lado, foram caindo", diz
Leonardo Vidal.
Alguns minutos depois, os tiros
pararam. O filme continuava a rodar na tela. "Ele avançou até a
quinta fileira, onde eu estava", diz
Renato. "Deu uns passos e atirou
mais", lembra Vanessa.
"Foi mais faísca, mais estrondo
e cheiro de pólvora", prossegue
Renato. Ao abaixar, o publicitário
quebrou o dente no porta-copos
da poltrona da frente. "Via ele pelas frestas. Eu não cabia entre as
cadeiras porque sou grande."
Muitas pessoas se arrastavam
pelo chão, tentando alcançar o
fundo da sala. "Eu e a mulher que
me puxou nos arrastamos para o
lado oposto ao dos tiros. Achei
que, em movimento, era mais difícil para ele nos acertar" diz o estudante Beltran Neto. "Mas uma
hora o corpo dela pesou."
"De repente, alguém gritou:
"acabou, acabou!'", conta Vanessa. Começou a correria. "Caíram
meus documentos, minha bolsa.
Ficou tudo para trás."
Beltran Neto também saiu correndo. "Puxei a minha perna debaixo da mulher e pulei pelas cadeiras. Já tinha gente tentando segurar o assassino. Fui ajudar."
"As pessoas saíam por cima das
cadeiras, gritando que havia feridos. Não dava para acreditar", diz
Renato, que também correu para
tentar render o estudante. Mateus
se entregou, sem reação. Aos sussurros, só dizia: "Não! Não"."
"Vi a cara dele. Uma cara de
bom aluno, um bobão. Deve ter
visto como os caras ficam famosos nos Estados Unidos fazendo
essas loucuras e pensou: "Como
isso nunca aconteceu no Brasil,
vou ser o primeiro"."
Com Mateus rendido, os seguranças do cinema chegaram. As
luzes se acenderam. Poucos espectadores ainda permaneciam
na sala.
Beltran Neto viu que sua perna
estava ensanguentada. Pensou
que havia sido baleado. Mas não
sentia dor. "Aí pensei, foi a moça
que me puxou! Corri para a direção dela. Estava caída. Nem reagia. O namorado também estava
ferido, mas ficava tentando fazer
ela acordar. Gritava: "Ajudem a
minha mulher!"."
Casais se abraçavam, ainda no
chão, e choravam encolhidos. "O
cara que estava na frente da minha fileira também estava caído.
Coloquei a mão nas costas dele e
disse: "Calma, cara. Vamos te socorrer." Mas ele não reagia", diz o
administrador Leonardo. O estudante Beltran Neto também se
aproximou do rapaz.
"Virei o rosto dele. Os óculos tinham um furo. Nem estilhaçou.
Ele levou um tiro no olho. Varou a
cabeça. Um horror", diz Beltran
Neto. "Era tanto sangue que escorria por quase três fileiras de
poltronas", diz Leonardo. O rapaz
depois foi identificado como Julio
Maurício Zemattis, de 28 anos.
Os bombeiros chegaram em seguida, para carregar os mortos e
feridos. A Polícia Militar foi a última a chegar. Encontrou poltronas perfuradas, sapatos e bolsas
espalhados pelo chão. "Falei para
eles: chegaram tarde. Agora não
adianta mais", diz Leonardo, um
dos últimos a deixar a sala.
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