São Paulo, Sexta-feira, 05 de Novembro de 1999
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"O assassino olhava para a gente, olhava para o filme e atirava"

da Reportagem Local

O estudante Mateus da Costa Meira entrou na sala de cinema do MorumbiShopping quase sem ser notado. "A sombra de um sujeito apareceu do lado direito da tela. Vi ele parado, olhando para a platéia e para o filme, para platéia e para o filme. Cheguei a pensar: "O que essa cara está fazendo?" Eu não via nada na mão dele", lembra o publicitário Renato de Mello, de 24 anos. "De repente, ouvi um estrondo."
Meira deu os primeiros disparos. "Escutei um barulho forte e vi uma faísca. Ele atirou para cima, desceu a rampa ao lado da tela e disparou mais", lembra o administrador Leonardo Vidal, 25.
"Estava bem na cena em que um dos personagens diz que, se os chefes dele não pegassem mais leve, ele ia metralhar todo mundo. Cheguei a rir. Pensei que era pegadinha, brincadeira de programa de televisão. Daquelas de mau gosto", conta Miguel Beltran Neto, estudante de direito.
"Ouvi mais uns estampidos. Mas só percebi o que era quando saltou sangue em mim", prossegue Beltran Neto.
As pessoas que estavam sentadas na primeira fileira se abaixaram. Como acontece nos estádios de futebol, quem estava nas outras fileiras seguiu o movimento e se jogou no chão.
"Já tinha gente ferida na minha frente. Nessa hora passou um monte de coisas pela minha cabeça. Minha mãe tinha me dito que sonhou com dente e que isso significava que alguém ia morrer. Pensei: "Sou eu'", diz Beltran Neto. "A moça que estava ao meu lado me puxou. Abaixei, e ela ficou quase em cima de mim."
Amontoados, os espectadores ouviram os estrondos em silêncio. "Ninguém falou nada, não houve gritaria. Ficou um silêncio enorme. Só se ouviam os tiros", lembra a engenheira Vanessa Maya. "Aí meu marido falou baixinho: "Fui atingido". Pedi para ele ficar calmo, mas eu tremia".
Antonio Martins, o marido de Vanessa, foi atingido por estilhaços e teve ferimentos leves. "O assassino olhava para a gente, olhava para o filme e atirava. Sempre devagar", diz a engenheira.
Três pessoas foram atingidas mortalmente. Duas delas com tiros na cabeça. "Estavam todas perto de mim. Uma na frente, outra ao lado, foram caindo", diz Leonardo Vidal.
Alguns minutos depois, os tiros pararam. O filme continuava a rodar na tela. "Ele avançou até a quinta fileira, onde eu estava", diz Renato. "Deu uns passos e atirou mais", lembra Vanessa.
"Foi mais faísca, mais estrondo e cheiro de pólvora", prossegue Renato. Ao abaixar, o publicitário quebrou o dente no porta-copos da poltrona da frente. "Via ele pelas frestas. Eu não cabia entre as cadeiras porque sou grande."
Muitas pessoas se arrastavam pelo chão, tentando alcançar o fundo da sala. "Eu e a mulher que me puxou nos arrastamos para o lado oposto ao dos tiros. Achei que, em movimento, era mais difícil para ele nos acertar" diz o estudante Beltran Neto. "Mas uma hora o corpo dela pesou."
"De repente, alguém gritou: "acabou, acabou!'", conta Vanessa. Começou a correria. "Caíram meus documentos, minha bolsa. Ficou tudo para trás."
Beltran Neto também saiu correndo. "Puxei a minha perna debaixo da mulher e pulei pelas cadeiras. Já tinha gente tentando segurar o assassino. Fui ajudar."
"As pessoas saíam por cima das cadeiras, gritando que havia feridos. Não dava para acreditar", diz Renato, que também correu para tentar render o estudante. Mateus se entregou, sem reação. Aos sussurros, só dizia: "Não! Não"."
"Vi a cara dele. Uma cara de bom aluno, um bobão. Deve ter visto como os caras ficam famosos nos Estados Unidos fazendo essas loucuras e pensou: "Como isso nunca aconteceu no Brasil, vou ser o primeiro"."
Com Mateus rendido, os seguranças do cinema chegaram. As luzes se acenderam. Poucos espectadores ainda permaneciam na sala.
Beltran Neto viu que sua perna estava ensanguentada. Pensou que havia sido baleado. Mas não sentia dor. "Aí pensei, foi a moça que me puxou! Corri para a direção dela. Estava caída. Nem reagia. O namorado também estava ferido, mas ficava tentando fazer ela acordar. Gritava: "Ajudem a minha mulher!"."
Casais se abraçavam, ainda no chão, e choravam encolhidos. "O cara que estava na frente da minha fileira também estava caído. Coloquei a mão nas costas dele e disse: "Calma, cara. Vamos te socorrer." Mas ele não reagia", diz o administrador Leonardo. O estudante Beltran Neto também se aproximou do rapaz.
"Virei o rosto dele. Os óculos tinham um furo. Nem estilhaçou. Ele levou um tiro no olho. Varou a cabeça. Um horror", diz Beltran Neto. "Era tanto sangue que escorria por quase três fileiras de poltronas", diz Leonardo. O rapaz depois foi identificado como Julio Maurício Zemattis, de 28 anos.
Os bombeiros chegaram em seguida, para carregar os mortos e feridos. A Polícia Militar foi a última a chegar. Encontrou poltronas perfuradas, sapatos e bolsas espalhados pelo chão. "Falei para eles: chegaram tarde. Agora não adianta mais", diz Leonardo, um dos últimos a deixar a sala.


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