São Paulo, Sexta-feira, 05 de Novembro de 1999
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Drogas não causam doença, mas potencializam o surto psicótico

PRISCILA LAMBERT
da Reportagem Local

O uso de drogas excitantes, como a cocaína e o crack, não provoca o aparecimento de doenças mentais, mas pode potencializar, e muito, o distúrbio de personalidade de uma pessoa já doente.
No caso do estudante Mateus da Costa Meira, que, segundo seu psiquiatra, José Cássio Nascimento Pitta, já possuía um distúrbio persecutório -um quadro de esquizofrenia em que a pessoa tem mania de perseguição-, o consumo dessas drogas pode ter agravado o quadro, tornando os surtos psicóticos mais frequentes e mais violentos.
De acordo com o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, diretor do Proad (Programa de Orientação e Assistência a Dependentes), as drogas, com exceção do álcool, não causam sozinhas comportamentos violentos, mas podem desencadear quadros que estavam latentes. "Não só as drogas, mas o álcool e uma situação de estresse podem ser fatores agravantes."
A cocaína e o crack levam o usuário a uma sensação de grandeza, euforia, irritabilidade e tremores, num quadro conhecido como psicose cocaínica.
Os usuários podem sentir o que entre eles é conhecido como "nóia" (de paranóia), quando apresentam praticamente um ataque de pânico, trancam portas e janelas e ouvem passos.
Há duas possibilidades. O paciente que já apresentou um distúrbio prévio, sob efeito da droga pode ter um surto mais forte. Mas, mesmo que não esteja sob efeito da droga, o uso frequente dessas substâncias pode tornar os delírios mais frequentes e mais sérios.

Delírios
O distúrbio persecutório é uma das características de um paciente psicótico (que perdeu o contato com a realidade). A pessoa pode ter apenas o distúrbio da perseguição, como apresentar delírios auditivos e táteis.
O paciente cria uma fantasia -pensa que está ouvindo vozes ou que alguém o está perseguindo- e acredita no que sente. "Durante os surtos, pode chegar ao extremo de planejar atos violentos conscientemente, mas, depois, quando o surto acaba, normalmente se arrepende", diz Arthur Guerra de Andrade, coordenador do Grea (Grupo de Estudo de Álcool e Drogas), do Hospital das Clínicas de São Paulo.
A doença se desenvolve em surtos e geralmente se manifesta na adolescência.
A decisão de manter um psicótico internado é uma questão complicada. "Se a família tem condições de acompanhá-lo de perto não recomendamos a internação, mas um tratamento psiquiátrico intenso", diz o psiquiatra Mauro Mercadante.
Os pacientes atualmente são tratados com drogas antipsicóticas muito eficazes, que agem no sistema nervoso central. A medicação é muito forte e, por isso, deve ser ministrada apenas durante os surtos. Fora esses períodos, são utilizadas medicações mais leves.
Meira estava tomando um antipsicótico, mas suspendeu o tratamento por conta própria, o que, segundo médicos, pode ter facilitado o surto.
Alguns estudos científicos mostram que há maior incidência dessa doença em pessoas que têm antecedente familiar.
Também estão em andamento pesquisas que apontam uma alteração bioquímica no cérebro dos portadores de distúrbios de personalidade.
Fatores emocionais, como os cuidados na primeira infância, o relacionamento afetivo entre mãe e filho e ambientes familiares desequilibrados são considerados fatores agravantes para pessoas predispostas.


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