São Paulo, Sexta-feira, 05 de Novembro de 1999
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Já quiseram proibir "Chapeuzinho Vermelho" por ser violento demais

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

A estréia do "serial killer" na vida real brasileira já deflagrou, inevitavelmente, o debate sobre a responsabilidade do conteúdo violento dos meios de comunicação por esse tipo de personagem.
Como acontece nos EUA a cada massacre, no Brasil vão chover acusações contra programas de TV e filmes como "Clube da Luta", que vítimas e criminoso assistiam quando a tragédia ocorreu.
Faz décadas que as ciências sociais tentam demonstrar, sem sucesso, que a ficção violenta provoca comportamento violento. Ainda assim, o oportunismo político e o comodismo social continuam a acusar a TV e o cinema por desgraças como a provocada por Meira. Não será diferente agora.
Os produtores do lixo que inunda as telas (de cinema, TV e computadores) são culpados. De mau gosto, insensibilidade, exploração da pobreza cultural em que o mundo do consumo está afogado.
Mas não dos crimes que suas vítimas cometem. Algumas fitas ou programas podem até sugerir idéias depois utilizadas por seus fãs. O que os move a matar, no entanto, são outras causas, muito mais profundas. E se eles não tivessem acesso tão simples e irrestrito a armas não teriam os instrumentos para agir com eficiência.
Os meios de comunicação contribuem para o envenenamento da alma e o empobrecimento do espírito. Mas há um conjunto de fatores que atuam na criação dos monstruosos assassinos em série.
Desde características genéticas até o fracasso de pais e escolas, há elementos mais importantes do que a ficção para explicar o fenômeno. É mais fácil transformar TV e cinema em bodes expiatórios do que praticar o doloroso auto-exame sobre como este final de século trata seus filhos, especialmente os do sexo masculino.
Os meninos são incentivados à violência desde a infância. Aprendem que homem brinca de bater, fala palavrão, gosta de esportes brutos. Ao mesmo tempo, vivem mais distantes dos pais, isolados de afeto. Na classe média alta, nas mãos de creches, babás e em frente da TV e dos computadores.
Crianças seguras, amadas, bem-assistidas por adultos dificilmente são capazes de atos de extrema violência, mesmo assistindo muita ficção violenta (o que provavelmente não fazem porque pais e mestres lhes proporcionam alternativas saudáveis de diversão).
Mas esse tipo de dúvida é dura demais para a sociedade se colocar de frente. É menos complicado acusar os meios de comunicação e chamar a censura.
A censura é sempre um perigo. Ela pode ser bem intencionada, mas é sempre aplicada por pessoas que podem errar. Já houve quem quisesse proibir a história de "Chapeuzinho Vermelho" por considerá-la violenta demais.
A sociedade brasileira deve se cuidar para não repetir aqui o festival de mortandades a que os EUA se acostumaram. Para isso, deve impedir a comercialização de armas, melhorar suas escolas, discutir o desempenho de seus pais, estimular a boa cultura e nunca apelar para a censura.


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