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ENTREVISTA
WALDIR PIRES
Não há por que o controle aéreo ser militar, diz ministro
Titular da Defesa afirma que setor será dividido em dois sistemas, um de defesa aérea e outro de controle de tráfego
O ministro da Defesa, Waldir Pires, 80, que era consultor geral da República em 1964, quando o governo
João Goulart foi derrubado pelos militares, anunciou
a "desmilitarização" do sistema de controle do tráfego
aéreo brasileiro e a criação de um grupo de trabalho
para promover as mudanças -que as Forças Armadas
não vêem com bons olhos.
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
Um novo órgão responsável
pela área, como um departamento ou uma superintendência, ficaria sob o comando da
Defesa, avisa o ministro. Mas
ele confessa que não tem idéia
de como seria o formato e quais
mudanças exigiria.
Um dos pontos cruciais desta
mudança é a divisão do setor
em dois sistemas, um de defesa
aérea e outro de controle de
tráfego aéreo, mas o ministro
disse não considerar importante se isso será ou não oneroso.
"Até que ponto dos rigores do
financismo nós chegaremos,
esquecendo a vida?"
Apesar das reações irritadas
da Aeronáutica com o formato
sindical que Pires imprimiu às
negociações com os controladores militares de vôo, cuja
operação-padrão iniciada no
dia 27 de outubro causou muitos atrasos e cancelamentos
nos aeroportos do país, ele diz
que convive muito bem com as
Forças Armadas e nega haja
uma crise em curso.
"Não tem nenhum tipo de
tensão, nem de constrangimento. Temos um relacionamento cordial. Eu sei o que eles
pensam, e eles sabem o que
eu penso."
FOLHA - O que o senhor e os controladores de vôo querem dizer com
"desmilitarização" do sistema de
controle de tráfego aéreo?
WALDIR PIRES - Eles têm a aspiração de uma nova carreira de
controladores de vôo que seja
de natureza civil. Aliás, no
mundo todo é civil. Nos Estados Unidos, na Europa e em toda a América Latina, exceto no
Uruguai, que tem uma aviação
civil ainda incipiente. Não há
por que ser de natureza militar.
O que requer, aí sim, é vocação,
um estado de espírito adequado e resistência a pressões psicológicas. E o Estado precisa
lhes garantir uma redução de
jornada de trabalho, permitindo mais tempo para o lazer.
FOLHA - O sistema unificado de defesa de espaço aéreo e de controle
de tráfego aéreo civil, da década de
1970, é considerado mais barato,
mais eficiente, mais produtivo.
PIRES - São duas coisas absolutamente diferentes. Os controladores de vôos militares juntam as esquadrilhas, e a função
dos controladores de vôos civis
é separar, afastar as aeronaves.
Eles, inclusive, têm esse mecanismo na cabeça, de que têm
fins diferenciados.
FOLHA - Separar os dois sistemas
não vai duplicar esforços e aumentar muito os gastos?
PIRES - Como fazer pequenas
economias com um sistema
que joga com o risco de morte
das pessoas? São o quê? São
menos de 3.000 controladores.
Seriam necessários uns 2%,
uns 3% do faturamento das
empresas aéreas para tratar da
segurança e da vida das pessoas? O que é isso? Nada.
FOLHA - Os militares dizem que o
sistema não abrange só os controladores, mas em torno de 12 mil técnicos. E que, depois, pode haver uma
reivindicação em cadeia nas três
Forças. O senhor avaliou isso?
PIRES - Não. Isso, do faturamento das empresas, foi apenas um palpite, até para mostrar como deve ser tratada a
questão. Até que ponto dos rigores do financismo nós chegaremos, esquecendo a vida?
FOLHA - E as empresas vão ser
chamadas a pagar as mudanças do
sistema?
PIRES - Não, não são as empresas que vão financiar nada. Isso
é uma função do Estado brasileiro. E não tem cálculo. O único cálculo que interessa é ter
absoluta segurança dos vôos,
das pessoas.
FOLHA - Os militares temem o contrário. Alegam que estão há 30 anos
controlando o setor de defesa e controle de tráfego aéreo, altamente
técnico, exigindo uma enorme especialização, e uma troca pode ser
perigosa.
PIRES - Mas no mundo todo é
assim, é civil. Por que só no Brasil teria de ser diferente?
FOLHA - A Força Aérea reagiu mal
aos seus encontros com os sargentos que são controladores de vôo e
estão liderando um movimento
proibido pelo Estatuto Militar, inclusive porque o comandante Luiz Carlos Bueno não foi convidado. O que
o senhor responde?
PIRES - Ora! Mas foi o comandante Bueno que me recomendou conversar com os sargentos. Aliás, se você não sabe, os
dois sargentos chegaram ao ministério em carro oficial da
FAB. Quem mandou? Não foi o
próprio Bueno? Além disso,
precisa ficar claro que o meu
dever é atender o interesse dos
cidadãos e repor a normalidade
do transporte civil aéreo. Estou
cumprindo meu dever. Que alternativa eu tinha?
FOLHA - Há uma crise entre a Defesa e a FAB? O comandante Bueno está ameaçando renunciar ao cargo?
PIRES - Nada disso. O brigadeiro Bueno tem a confiança do
presidente da República e é
merecedor do meu maior apreço. As relações [da Defesa com a
FAB] são de normalidade e as
conversas [com Bueno] são
cordiais e amistosas, dentro do
respeito às instituições e aos interesses da cidadania.
FOLHA - As relações com os militares estão azedando?
PIRES - Eu sei o que é crise militar, tenho obrigação de saber
[era consultor geral da República quando o governo João Goulart foi derrubado em 1964 pelas Forças Armadas]. Disciplina é um dos fundamentos da
vida civil. Disciplina e hierarquia são fundamentos da vida
militar.
FOLHA - Ministros negociando com
sargentos sem seus chefes hierárquicos não é quebra da disciplina e
da hierarquia militar?
PIRES - Eu respeito todas as aspirações. Cada um tem o direito
de buscar os sonhos e os anseios que quiserem. E, na minha cabeça, não entra a hipótese de que alguém não vocacionado para exercer aquela função [controlador de vôo] vá
exercê-la. Só faz bem quem faz
amando, querendo fazer.
FOLHA - Qual o arcabouço do novo
sistema, civil, de controle de tráfego
aéreo?
PIRES - Não há arcabouço ainda. Pretendo criar a partir da
próxima semana um grupo de
trabalho multidisciplinar, com
Defesa e Planejamento, entre
outros, para definir o que será,
como será, onde se situará.
FOLHA - O senhor defende que seja
vinculado, por exemplo, ao Ministério dos Transportes ou à Infraero
[responsável pela infra-estrutura
dos aeroportos]?
PIRES - Transportes? Eu ouvi
isso aí, mas não faz sentido. Como? Já é um ministério sobrecarregado com muitos problemas. E a Infraero cuida da administração de aeroportos,
ponto. O espaço aéreo é uma
questão de segurança nacional.
FOLHA - Então? A segurança nacional não é responsabilidade das Forças Armadas?
PIRES - Não propriamente das
Forças Armadas, mas sim do
Ministério da Defesa. Território, espaço aéreo e povo são
questões de soberania. Aliás, as
instituições internacionais têm
regras de convivência muito
precárias, inclusive o combate
do narcotráfico aéreo.
FOLHA - Vinculado à Defesa, que
comanda as Forças Armadas, como
seria esse órgão civil de controle de
tráfego aéreo?
PIRES - Poderia ser um departamento, uma superintendência. Ainda estamos começando
a pensar nisso.
FOLHA - Como tem sido sua convivência com os militares, logo o senhor que era de ponta no governo
Jango?
PIRES - Bem... Não tem nenhum tipo de tensão, nem de
constrangimento. Temos um
relacionamento cordial. Eu sei
o que eles pensam, e eles sabem
o que eu penso. E eu sempre defendi a existência das Forças
Armadas que, num país como o
nosso, precisam ser fortes para
cumprir suas funções democráticas. Especialmente agora,
que o Brasil está começando a
ser influente nas deliberações
que se fazem no mundo.
FOLHA - Foi o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva quem mandou o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, entrar nas negociações com os controladores, inclusive com os militares?
PIRES - O presidente não mandou ele entrar, o presidente sugeriu. O ministro tem muita influência na área dos assalariados civis.
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