São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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ENTREVISTA WALDIR PIRES

Não há por que o controle aéreo ser militar, diz ministro

Titular da Defesa afirma que setor será dividido em dois sistemas, um de defesa aérea e outro de controle de tráfego

O ministro da Defesa, Waldir Pires, 80, que era consultor geral da República em 1964, quando o governo João Goulart foi derrubado pelos militares, anunciou a "desmilitarização" do sistema de controle do tráfego aéreo brasileiro e a criação de um grupo de trabalho para promover as mudanças -que as Forças Armadas não vêem com bons olhos.

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

Um novo órgão responsável pela área, como um departamento ou uma superintendência, ficaria sob o comando da Defesa, avisa o ministro. Mas ele confessa que não tem idéia de como seria o formato e quais mudanças exigiria. Um dos pontos cruciais desta mudança é a divisão do setor em dois sistemas, um de defesa aérea e outro de controle de tráfego aéreo, mas o ministro disse não considerar importante se isso será ou não oneroso. "Até que ponto dos rigores do financismo nós chegaremos, esquecendo a vida?" Apesar das reações irritadas da Aeronáutica com o formato sindical que Pires imprimiu às negociações com os controladores militares de vôo, cuja operação-padrão iniciada no dia 27 de outubro causou muitos atrasos e cancelamentos nos aeroportos do país, ele diz que convive muito bem com as Forças Armadas e nega haja uma crise em curso. "Não tem nenhum tipo de tensão, nem de constrangimento. Temos um relacionamento cordial. Eu sei o que eles pensam, e eles sabem o que eu penso."  

FOLHA - O que o senhor e os controladores de vôo querem dizer com "desmilitarização" do sistema de controle de tráfego aéreo?
WALDIR PIRES
- Eles têm a aspiração de uma nova carreira de controladores de vôo que seja de natureza civil. Aliás, no mundo todo é civil. Nos Estados Unidos, na Europa e em toda a América Latina, exceto no Uruguai, que tem uma aviação civil ainda incipiente. Não há por que ser de natureza militar. O que requer, aí sim, é vocação, um estado de espírito adequado e resistência a pressões psicológicas. E o Estado precisa lhes garantir uma redução de jornada de trabalho, permitindo mais tempo para o lazer.

FOLHA - O sistema unificado de defesa de espaço aéreo e de controle de tráfego aéreo civil, da década de 1970, é considerado mais barato, mais eficiente, mais produtivo.
PIRES
- São duas coisas absolutamente diferentes. Os controladores de vôos militares juntam as esquadrilhas, e a função dos controladores de vôos civis é separar, afastar as aeronaves. Eles, inclusive, têm esse mecanismo na cabeça, de que têm fins diferenciados.

FOLHA - Separar os dois sistemas não vai duplicar esforços e aumentar muito os gastos?
PIRES
- Como fazer pequenas economias com um sistema que joga com o risco de morte das pessoas? São o quê? São menos de 3.000 controladores. Seriam necessários uns 2%, uns 3% do faturamento das empresas aéreas para tratar da segurança e da vida das pessoas? O que é isso? Nada.

FOLHA - Os militares dizem que o sistema não abrange só os controladores, mas em torno de 12 mil técnicos. E que, depois, pode haver uma reivindicação em cadeia nas três Forças. O senhor avaliou isso?
PIRES
- Não. Isso, do faturamento das empresas, foi apenas um palpite, até para mostrar como deve ser tratada a questão. Até que ponto dos rigores do financismo nós chegaremos, esquecendo a vida?

FOLHA - E as empresas vão ser chamadas a pagar as mudanças do sistema?
PIRES
- Não, não são as empresas que vão financiar nada. Isso é uma função do Estado brasileiro. E não tem cálculo. O único cálculo que interessa é ter absoluta segurança dos vôos, das pessoas.

FOLHA - Os militares temem o contrário. Alegam que estão há 30 anos controlando o setor de defesa e controle de tráfego aéreo, altamente técnico, exigindo uma enorme especialização, e uma troca pode ser perigosa.
PIRES
- Mas no mundo todo é assim, é civil. Por que só no Brasil teria de ser diferente?

FOLHA - A Força Aérea reagiu mal aos seus encontros com os sargentos que são controladores de vôo e estão liderando um movimento proibido pelo Estatuto Militar, inclusive porque o comandante Luiz Carlos Bueno não foi convidado. O que o senhor responde?
PIRES
- Ora! Mas foi o comandante Bueno que me recomendou conversar com os sargentos. Aliás, se você não sabe, os dois sargentos chegaram ao ministério em carro oficial da FAB. Quem mandou? Não foi o próprio Bueno? Além disso, precisa ficar claro que o meu dever é atender o interesse dos cidadãos e repor a normalidade do transporte civil aéreo. Estou cumprindo meu dever. Que alternativa eu tinha?

FOLHA - Há uma crise entre a Defesa e a FAB? O comandante Bueno está ameaçando renunciar ao cargo?
PIRES
- Nada disso. O brigadeiro Bueno tem a confiança do presidente da República e é merecedor do meu maior apreço. As relações [da Defesa com a FAB] são de normalidade e as conversas [com Bueno] são cordiais e amistosas, dentro do respeito às instituições e aos interesses da cidadania.

FOLHA - As relações com os militares estão azedando?
PIRES
- Eu sei o que é crise militar, tenho obrigação de saber [era consultor geral da República quando o governo João Goulart foi derrubado em 1964 pelas Forças Armadas]. Disciplina é um dos fundamentos da vida civil. Disciplina e hierarquia são fundamentos da vida militar.

FOLHA - Ministros negociando com sargentos sem seus chefes hierárquicos não é quebra da disciplina e da hierarquia militar?
PIRES
- Eu respeito todas as aspirações. Cada um tem o direito de buscar os sonhos e os anseios que quiserem. E, na minha cabeça, não entra a hipótese de que alguém não vocacionado para exercer aquela função [controlador de vôo] vá exercê-la. Só faz bem quem faz amando, querendo fazer.

FOLHA - Qual o arcabouço do novo sistema, civil, de controle de tráfego aéreo?
PIRES
- Não há arcabouço ainda. Pretendo criar a partir da próxima semana um grupo de trabalho multidisciplinar, com Defesa e Planejamento, entre outros, para definir o que será, como será, onde se situará.

FOLHA - O senhor defende que seja vinculado, por exemplo, ao Ministério dos Transportes ou à Infraero [responsável pela infra-estrutura dos aeroportos]?
PIRES
- Transportes? Eu ouvi isso aí, mas não faz sentido. Como? Já é um ministério sobrecarregado com muitos problemas. E a Infraero cuida da administração de aeroportos, ponto. O espaço aéreo é uma questão de segurança nacional.

FOLHA - Então? A segurança nacional não é responsabilidade das Forças Armadas?
PIRES
- Não propriamente das Forças Armadas, mas sim do Ministério da Defesa. Território, espaço aéreo e povo são questões de soberania. Aliás, as instituições internacionais têm regras de convivência muito precárias, inclusive o combate do narcotráfico aéreo.

FOLHA - Vinculado à Defesa, que comanda as Forças Armadas, como seria esse órgão civil de controle de tráfego aéreo?
PIRES
- Poderia ser um departamento, uma superintendência. Ainda estamos começando a pensar nisso.

FOLHA - Como tem sido sua convivência com os militares, logo o senhor que era de ponta no governo Jango?
PIRES
- Bem... Não tem nenhum tipo de tensão, nem de constrangimento. Temos um relacionamento cordial. Eu sei o que eles pensam, e eles sabem o que eu penso. E eu sempre defendi a existência das Forças Armadas que, num país como o nosso, precisam ser fortes para cumprir suas funções democráticas. Especialmente agora, que o Brasil está começando a ser influente nas deliberações que se fazem no mundo.

FOLHA - Foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quem mandou o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, entrar nas negociações com os controladores, inclusive com os militares?
PIRES
- O presidente não mandou ele entrar, o presidente sugeriu. O ministro tem muita influência na área dos assalariados civis.


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