São Paulo, sábado, 06 de maio de 2000


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LETRAS JURÍDICAS

Juízes discutem criminalidade

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

A criminalidade não é problema do Poder Judiciário, mas o crime é. A frase paradoxal se explica porque o juiz julga acusados por delitos, mas a criminalidade é problema da administração pública nos seus aspectos preventivos, de apuração e de cumprimento das decisões judiciais nos estabelecimentos de detenção e prisão. A chamada Polícia Judiciária é subordinada ao Executivo, assim como o controle das penitenciárias e cadeias.
Embora não seja diretamente problema judicial, o exame da criminalidade no Brasil pelo Judiciário se deveu este ano aos magistrados Ali Mazloum e Fernando Moreira Gonçalves, organizadores do Primeiro Encontro dos Juízes Criminais Federais. Apesar de sua importância, não teve a atenção que merecia na mídia, tornando oportuno o repasse de suas conclusões.
A primeira das propostas dos grupos de trabalho que sintetizaram o certame envolveu o relacionamento do Poder Judiciário e da mídia. Esta prefere o escândalo policial às sentenças condenatórias. O relatório reconheceu o conflito básico entre a Lei Orgânica da Magistratura (que proíbe o contato) e a necessidade do juiz, órgão de governo, de se relacionar com a imprensa, sem discutir, como evidente, os casos sujeitos a seu julgamento. O conflito operacional será sempre intransponível enquanto os órgãos de comunicação tratarem a notícia como produto de alta rotatividade, para duração brevíssima, e os juízes se recusarem a compreender os característicos da mídia. O repórter tem pressa em cumprir sua pauta e o juiz é tolhido por prazos legais e pelo direito das partes.
Há tribunais que tratam seus juízes como seres impedidos de opinar sobre os fatos sociais. Estão errados. O juiz pode e deve ter opiniões sobre o que acontece em seu entorno. Reconheço, porém, que o juiz de primeiro grau corre o risco de, manifestando-se, ser mal interpretado pelo repórter e, pior ainda, pelos magistrados mais antigos, que decidem suas promoções. O ajuste desse descompasso toma tempo, mas deve ser enfrentado.

No referente ao crime organizado e ao tráfico internacional de entorpecentes, os juízes federais defendem a especialização das turmas, nos tribunais e nas varas, em primeira instância. A idéia é boa em tese, mas, a curto prazo, parece muito difícil, senão impossível, de ser implementada. A lavagem de dinheiro no sistema financeiro também gerou boas sugestões.
Os juízes querem a implantação de presídios federais e a competência federal na execução das penas em alas de segurança máxima, para condenados de alta periculosidade. A sugestão provoca algumas preocupações. O leitor sabe que as cadeias nos Estados mais populosos tendem a permanente excesso de lotação e que o sistema penitenciário federal geraria duplicidade de custos com pessoal e recursos materiais, além de ser demorado. A idéia, porém, merece discussão cuidadosa. Os juízes federais acolheram a proposta da infiltração policial no mundo do crime e da proteção de testemunhas, em sugestão que, mal aplicada, sacrificará o direito de defesa dos acusados, tornando-se intolerável. Propõem que a violação dos crimes contra os direitos humanos seja de competência federal, o que já está no projeto de reforma do Judiciário, mas exige manifestação das magistraturas estaduais.
Concordando ou não com as conclusões dos grupos de trabalho, há um lado cuja importância não pode ser ignorada ou minimizada. Trata-se da iniciativa e da participação dos magistrados na busca ativa e eficiente de soluções para a criminalidade, preocupados com seus deveres da interpretação social e da liderança nos caminhos a percorrer.



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