São Paulo, quinta-feira, 06 de maio de 2004

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TRÂNSITO

Motoristas só eram multados após 3ª infração, mas todas foram cobradas por empresa terceirizada; prefeitura não se pronuncia

Curitiba paga R$ 3,7 mi de multas anistiadas

MARI TORTATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CURITIBA

A Prefeitura de Curitiba pagou pelo menos R$ 3,7 milhões de multas de trânsito cometidas por condutores anistiados pelo prefeito Cassio Taniguchi (PFL).
O pagamento das multas foi feito à Consilux (Consultoria e Construções Elétricas Ltda), empresa que explora o serviço de fiscalização eletrônica do trânsito na capital paranaense.
O valor pago se refere a cerca de 409 mil infrações por excesso de velocidade perdoadas pela prefeitura numa campanha de educação no trânsito, que vigorou de setembro de 1999 a setembro de 2001. Nessa período, os donos dos veículos cujas placas eram apanhadas por radares excedendo a velocidade permitida nas vias da cidade só foram multados a partir da terceira infração.
O primeiro e o segundo excesso no tráfego eram registrados, a Diretran (Diretoria de Trânsito) emitia uma apenas "notificação de advertência" ao proprietário do carro. Esse procedimento era realizado mesmo que a velocidade empregada pelo veículo configurasse infração gravíssima.
Dois meses após o lançamento da campanha, a Consilux pediu formalmente à prefeitura para receber o valor das multas anistiadas. "A medida afetou substancialmente o equilíbrio econômico-financeiro do contrato", disse Vendramini, sócio da empresa. A reivindicação feita pela Consilux foi acatada pela Procuradoria do Município dez dias após ter sido protocolada a carta na prefeitura. Um perito criminal confirmou o parecer favorável à Consilux.
A Agência Folha teve acesso à documentação do pedido. Ela foi requisitada à Urbs (Urbanização de Curitiba), empresa gerenciadora do tráfego e do transporte coletivo da cidade, pelo vereador Adenival Gomes (PT), e seu teor não foi contestado pela prefeitura.
Gomes sugeriu que Taniguchi utilizou a anistia das multas como forma de angariar votos. "A população não ficou sabendo que o prefeito fez cortesia com chapéu alheio em ano pré-eleitoral [Taniguchi foi reeleito prefeito de Curitiba em 2000]."

Ressarcimento
O vereador disse que estuda os documentos há dois meses e que pretende repassá-los ao Ministério Público com pedidos de responsabilização do prefeito e ressarcimento do valor aos cofres públicos. "Toda a população arcou com as multas de trânsito cometidas por poucos infratores."
Um relatório da Urbs aponta 409.052 infrações anistiadas. Por esse balanço parcial, o valor do ressarcimento do serviço à empresa foi estimado inicialmente em R$ 1,2 milhão. Um acordo entre as partes considerou deságio de 25% do valor do serviço cobrado (R$ 9,5 por multa emitida).
À medida que as infrações anistiadas foram chegando à Diretran, Urbs e Consilux foram remendando o contrato (fechado em julho de 1998), com aditivos.
Em março de 2001 foi paga a primeira parcela, de R$ 458.061,38. Nesse mês houve mais dois pagamentos à Consilux a título de "prestação de serviços de gerenciamento de tráfego, correspondente aos autos educativos", nos valores de R$ 102.888,52 e R$ 90 mil. Os números constam de cópias de notas fiscais emitidas pela empresa à Urbs.
A documentação registra pagamentos mensais à empresa a partir daquela data. A última cópia de nota fiscal obtida é de janeiro passado -de R$ 19.420,80.

Outro lado
Solange Patrício, assessora de comunicação da prefeitura, informou ontem que o prefeito Taniguchi e as outras autoridades envolvidas na operação de quitação das multas não dariam entrevistas sobre o pagamento das infrações anistiadas à Consilux.
Ainda segundo a assessora, o vereador Gomes "terá sua resposta na Justiça".
As autoridades consultadas internamente sobre o assunto afirmaram -também segundo a assessora de comunicação- "não existir nenhuma ilegalidade na iniciativa [o pagamento das multas à Consilux]". Informaram também que o procedimento adotado pela administração "não tem o menor problema" porque está garantido por pareceres emitidos pela Procuradoria do Município e por um perito judicial.
O fato de ter ocorrido uma concessão de anistia a infratores sem haver respaldo no Código de Trânsito Brasileiro também não foi comentado pela prefeitura.


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