São Paulo, sábado, 6 de junho de 1998

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LETRAS JURÍDICAS
Direto ao estudo

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

A tônica política do momento, relativa às funções sociais dos governos, pode e deve ser vista sob o ângulo das leis em vigor ou a serem editadas.
Parto da convicção de que nenhuma política social é mais importante, em nosso país, do que a da educação. Ampliando o espectro, valerá aceitar, contudo, que o aprimoramento da ordem social se assenta sobre dois pilares e não mais do que dois: a saúde e a educação, até porque, com esta, aquela é mais fácil de se realizar. Nem um nem outro está forte nos três níveis de governo. Educação e saúde são direito de todos e dever do Estado (Constituição Federal, artigos 196 e 205).
A educação é também um dever da família, para ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Cotejada a Carta Magna com a realidade social, verifica-se, porém, que parte substancial dos brasileiros não tem acesso ao ensino, e são raros (ante a desproporção gigantesca com o número de habitantes) os que atingem níveis universitários de conhecimento.
Discutir a qualidade do ensino, antes de o garantir para todos, por meio de acesso generalizado, acrescido de meios de permanência na escola, como também se lê na Constituição, é inverter a ordem natural das coisas. O ensino fundamental, como atuação prioritária dos municípios e dos Estados, compreende -respeitada a autonomia de cada unidade territorial- o pleno ingresso de todas as crianças em idade escolar em salas de aula instaladas e equipadas nas zonas urbana e rural, assistidas por meios eficazes de transporte. Compreende, ainda, estímulos à permanência, entre os quais tem sido relevante a merenda escolar. Fala-se muito em prefeitos que desviam verbas dessas finalidades essenciais para realizar obras eleitoreiras, sob desculpa de serem úteis para a educação.
Uma parte do ensino fundamental é financiada pelo salário-educação, recolhido pelas empresas, em uma forma de participação que não exclui outras, de toda a sociedade, cuja sensibilidade para as questões educacionais não tem sido manifestada com suficiente energia ou clareza, salvo raras exceções.
Em outro nível, as universidades federais vivem momentos graves, consequentes de reivindicações de seus corpos docentes e funcionais. Elas resumem o quadro geral de crise, estendido às demais unidades de ensino superior, pois a maior parte de seus formandos termina os cursos desprovida de conhecimentos essenciais, técnicos e de humanidades. Nelas, até os processos clássicos de seleção de professores, por concurso, parecem superados, ante a influência da política interna e dos grupos ali formados, perturbando a apuração da qualidade.
Durante anos estabeleceu-se, quanto aos professores, em todos os níveis, um círculo vicioso angustiante: os órgãos dos poderes executivos não possibilitam meios de exercício qualificado, não pagam salários compatíveis, e os próprios mestres não se empenham em resguardar a dignidade da profissão. Dedicam muito de suas lutas a reivindicações salariais ou próprias da relação de trabalho e menos às exigências impostas pela qualidade do ensino. Atitude, aliás, frequente em pais de alunos, sempre revoltados com os custos do ensino, mas pouco empenhados quando se trata de conseguir melhora qualitativa. No Brasil de hoje, voltar os olhos para o social é, antes de mais nada, garantir a plenitude do direito ao ensino. A contar dessa garantia, as outras conquistas surgirão por si mesmas.



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