São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2006

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Filho diz não haver processo nem provas contra Cukurs

Gunars diz que seu pai não usaria nome verdadeiro no Brasil se fosse criminoso

Caminhoneiro, herdeiro de aviador diz que perseguição começou quando Herbert não quis vender a rede de pedalinhos que tinha no Rio

DA REPORTAGEM LOCAL

Gunars Cukurs reza todos os dias diante das imagens de Jesus Cristo, Santos Dumont e de seu pai, Herbert. Pendurados em ordem hierárquica em uma das paredes do galpão onde mora, às margens da represa Guarapiranga, em São Paulo, os retratos compõem um altar.
Próximo há vários retratos de Nossa Senhora de Fátima em um biombo. A referência não é em vão. A primeira casa dos Cukurs no Brasil, em Niterói (RJ), hoje é uma igreja em homenagem a Fátima. Em frente, um Buda, um chapéu de cangaceiro e uma estátua de Maria Bonita. "Meu pai é injustiçado como Jesus e Lampião", diz Gunars, cristão luterano.
Dentro do galpão ainda há um arquivo com relatos sobre as viagens de Herbert ao Japão e à Gâmbia, as medalhas recebidas após a Primeira Guerra Mundial como herói nacional da Letônia e recortes de jornais brasileiros que mostram a construção dos pedalinhos da lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, e as peripécias do aviador letão no Brasil. "Ninguém que voa pode ser um assassino. Aviadores são idealistas."
Viúvo, aos 76, o filho mais velho de Herbert ocupa boa parte do tempo com a reforma de seu caminhão e de um pequeno avião. Sem aposentadoria e sem dinheiro, continua caminhoneiro. Já o avião mantém a tradição familiar. O galpão onde Gunars mora, além de casa e museu, é oficina mecânica.

Os argumentos
Gunars é capaz de passar o dia defendendo o pai. Pela ordem, diz que, se Herbert fosse criminoso de guerra, não teria usado o nome verdadeiro no Brasil. Também afirma que o pai chegou com emprego certo e que nenhum criminoso aceitaria ter se exposto na imprensa e divulgado sua empresa.
Depois, diz que não há nada contra Herbert no tribunal de Nuremberg e que a polícia brasileira lhe deu documento em 1951 dizendo não haver nada contra ele, após acusações de que era nazista. "Não há prova nem processo contra meu pai."
Ele nega que Herbert fosse anti-semita e nazista. Gunars diz que, com a família, seu pai trouxe uma judia da Europa, Miriam Kaitznen. Também diz que, pouco antes de ser assassinado, em 1965, Herbert teria jurado à família que nunca "sujou as mãos com sangue judeu".
"As palavras não são bonitas, mas é o jeito como meu pai falava", explica Gunars, que diz que o pai foi forçado a se juntar aos alemães para não ser morto na invasão da Letônia. "Como poderia ser nazista alguém que lutou contra os alemães na Primeira Guerra Mundial?"
Gunars conta que os problemas surgiram quando os pedalinhos da Rodrigo de Freitas prosperaram. O negócio surgiu em Icaraí (Niterói) e se expandiu para a Urca e Copacabana.
Segundo ele, Herbert recebeu proposta para vender os pedalinhos e recusou. No outro dia, sua casa apareceu pintada com inscrições chamando seu pai de nazista. Para sustentar a tese da conspiração, diz que as ofensas vieram acompanhadas de uma campanha dos "jornais comunistas". "Havia muitos interesses comerciais em jogo."
Gunars, 41 anos após a morte do pai, diz se orgulhar pelo patriarca ter sido um herói da aviação e por ter virado um brasileiro. Gunars afirma que uma das poucas vezes em que viu Herbert chorar, de alegria, foi quando os militares instituíram a ditadura de 1964. (MARIO CESAR CARVALHO e LEANDRO BEGUOCI)

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